03/03/2015

Impressões sobre a Crise da Ucrânia

Olá leitor,

Vou aproveitar o gancho do último post para falar um pouco da Ucrânia... Sem me estender muito.

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A Ucrânia, por diversas razões, é considerada uma "área de influência" da Rússia. Há relações étnicas, políticas, econômicas e militares entre os dois países. A Ucrânia também é um país chave no abastecimento de gás natural da Europa Ocidental. A Ucrânia sempre foi cortejada pela OTAN, porém um acordo nunca se concretizou por conta da influência russa. Na Península da Criméia, na cidade portuária de Sevastopol, que dá acesso ao Mar Negro, há uma base da Marinha russa.
Em 2010, Viktor Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia com uma forte votação na região leste (mais próxima da Rússia). Segundo a Wikipédia Yanukovych visualizava uma conciliação entre Ucrânia, União Européia e Rússia. Porém, em 2014, rejeitou um acordo político e econômico com a UE em favor de um acordo com a União Aduaneira do Cazaquistão, Bielorússia e Rússia. A rejeição formal do acordo com a EU e a ratificação do acordo com a Rússia iniciou os protestos em Kiev.
Foram muitos acontecimentos em rápida sucessão, e até hoje há uma guerra em curso. Vou listar algumas coisas que me chamaram a atenção:

Primeiro, a organização do protesto. Rapidamente, os locais que eram ocupados viravam verdadeiras fortalezas, contando com uma guarda paramilitar, suprimentos, etc. Isso me parece algo somente possível com meses de planejamento, boas linhas de financiamento e um grande contingente de "soldados" para levar à cabo essa missão. Numa época de vigilância total, isso é algo que requer uma organização muito profissional para não ser descoberto. Mais estranho ainda, o exército foi formado por diversos grupos que se aglutinaram sob a bandeira do Right Sector (Setor de Direita). São grupos de orientações políticas conservadoras e nacionalistas, na maioria jovens, membros de gangues. Quem unificou essas pessoas? Que motivação tiveram para se unir e lutar? Além disso, há um silêncio ensurdecedor por parte da mídia sobre o fato dessa organização ter sido essencial para a revolução. Só muito depois de ter sido concretizada a "transição" de governo que começaram a aparecer matéria sobre o Right Sector, normalmente caracterizados simplesmente como "patriotas" (linguagem utilizada na CNN e na Globo, por exemplo).

Segundo, a reação dos EUA. Total apoio ao "povo ucraniano", disse Obama (apesar da população do leste ser veementemente contra os protestos em Kiev). A Casa Branca e o Departamento de Estado condenavam em uníssono qualquer ação violenta por parte do governo para cessar os protestos. E quando qualquer violência acontecia, a culpa era sempre do governo de Yanukovych. Isso foi bastante ecoado pela imprensa brasileira. Além disso, os discursos sobre a soberania do povo ucraniano contrastam com a conversa vazada entre a Assistente do Secretário de Estado Victoria Nuland e o Embaixador dos EUA na Ucrânia Geoffrey Pyatt, assunto do meu último post, em que os dois membros do governo dos EUA discutiam em minúcias quem apoiariam no novo governo - sendo que Yanukovych sequer havia saído do poder.

Terceiro, a controvérsia sobre um dos eventos catalisadores da revolução, a "Quinta-Feira Negra", 20 de fevereiro de 2014. Dezenas de policiais e manifestantes foram mortos à tiros, e um lado acusou o outro de ter usado snipers para matar. Num (outro) vazamento de telefonema entre diplomatas (da UE e da Estônia) se ouve que "há um entendimento cada vez mais forte que quem estava por trás dos snipers é da coalizão de oposição". Os EUA, é claro, culparam Yanukovych.

Quarto, a controvérsia sobre a queda do avião MH17 em 17 de julho de 2014. Tanto a Rússia quanto os EUA dizem ter imagens de satélite que determinam a autoria do(s) disparo(s) que derrubaram o avião, porém nenhuma imagem foi publicada. Apesar de não haver nenhuma investigação conclusiva - a investigação oficial só deve sair este ano - o evento serviu de justificativa para diversas sanções econômicas contra a Rússia, por parte dos EUA e da UE. Os noticiários do mundo mostraram Putin como o grande culpado.

Quinto, o filho do Vice-Presidente dos EUA foi contratado pela maior produtora de gás natural da Ucrânia. Hunter Biden agora é o diretor da unidade legal da Burisma Holdings.

Por fim: mesmo que a revolução na Ucrânia realmente tenha sido uma revolução popular, ainda que de caráter nacionalista e conservador, os resultados dela caíram como uma luva para os EUA, a UE e a OTAN. Serviu de justificativa para deixar em "estado de alerta" os exércitos da OTAN, "parados" desde a intervenção na Líbia em 2011. Imediatamente o novo governo assinou um acordo com a UE e Poroshenko, o novo presidente, disse que quer a Ucrânia na UE até 2020. O novo governo também colocou como prioridade entrar na OTAN.

E se não foi uma revolta popular? Quem realmente organizou a revolução deu um golpe na Ucrânia tirou um presidente eleito à força, e colocou no lugar um governo sob seu controle. Mas como? Todos nós vimos dezenas de milhares de pessoas nas ruas. Será possível manipular uma população dessa maneira? E o referendo da Criméia, que a "anexou" à Rússia? Será que os russos sabiam que podiam perder toda a Ucrânia e se prepararam com o plano de manter pelo menos a região da Criméia, com sua posição geoestratégica privilegiada e a base da Marinha?

Enfim, não quero chegar à uma conclusão. Fica pra outro post. Até!

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