15/02/2022

Quem quer fazer guerra na Ucrânia?

O mundo iniciou o ano de 2022 ouvindo o pesado som dos tambores da guerra. Segundo o governo dos EUA, a Rússia quer invadir a Ucrânia "a qualquer momento". Em resposta a essa suposta ameaça, a Casa Branca intensificou o envio de armas para os ucranianos, governados desde 2014 por políticos alinhados com os estadunidenses. A retórica agressiva domina sua grande mídia: segundo um estudo do MintPressNews, houve uma avalanche de artigos favoráveis a algum tipo de intervenção militar dos EUA em defesa dos ucranianos, contra uma minoria de opiniões de pessoas querendo uma solução diplomática e pacífica. Curiosamente, tanto os ucranianos quanto os russos não param de repetir que não querem entrar em guerra, explicitamente pedindo que os EUA parem com essa perigosa retórica.

A crise começou com a notícia de que tropas russas estavam se movimentando nas fronteiras da Ucrânia, supostamente acumulando forças para invadir o seu vizinho. Os russos alegam que a movimentação faz parte de exercícios militares ordinários, enquanto a grande mídia ocidental diz que essas manobras estão aumentando a tensão. Mas essa narrativa parece reservada apenas para os russos. Os EUA conduzem manobras militares enormes regularmente, e em fronteiras tensas, como a "European Defender", reunindo dezenas de milhares de tropas na Europa e a controversa "Foal Eagle" na Coréia do Sul, fruto de discórdia com os norte-coreanos e que foi cancelada após a cúpula entre o então Presidente Donald Trump e o ditador Kim Jong-Un em 2018 (outras manobras, menores, continuam). Raramente essas manobras são noticiadas na grande mídia. Normalmente, aparecem apenas em veículos especializados em notícias militares, mas como uma simples rotina, sem considerar os efeitos nos vizinhos, considerados inimigos dos EUA.

Outra razão alegada pelos EUA é de que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, teria intenções expansionistas e autoritárias sobre a Europa. Entrar no conflito do lado dos ucranianos, portanto, seria defender a própria democracia. No entanto, enquanto fazem acalorados discursos para vilipendiar o governo da Rússia (e da China, do Irã, da Nicarágua etc.), os EUA dão apoio militar a mais de setenta por cento das ditaduras do mundo, num levantamento de 2015. Eles também não parecem se preocupar com as centenas de bilhões de dólares em vendas de equipamento militar avançado para a Arábia Saudita, uma monarquia brutal que reprime completamente qualquer oposição, e que decapitou cento e oitenta pessoas em 2019. 

Qual a explicação para a súbita atenção midiática e política sobre os ucranianos? Afinal, os EUA têm a capacidade de intervir militarmente em qualquer lugar do mundo. Por que os jornalistas e especialistas não estão advogando que a superpotência faça algo para acabar com a guerra do Iêmen, considerada pela ONU como o maior desastre humanitário, atualmente? Os estadunidenses e os britânicos estão ajudando os agressores da Arábia Saudita com armas e apoio diplomático. Uma simples mudança de postura poderia ser suficiente para inibir os sauditas. Ou então, a grande mídia poderia se perguntar por que os EUA defendem Israel de maneira intransigente, mesmo com ampla evidência de violações dos direitos humanos dos palestinos? E o que dizer da ocupação ilegal das forças armadas dos EUA no território sírio, mais precisamente na província de Homs, com o objetivo explícito de confiscar o petróleo e atingir as finanças do regime de Bashar al-Assad?

Um revelador estudo do Instituto Quincy Adams parece dar a resposta. A atenção é, muito provavelmente, resultado de um enorme lobby em favor do governo da Ucrânia, que, em 2021, fez mais de dez mil contatos com deputados, senadores, jornalistas e especialistas estadunidenses. Como nota o autor do estudo, em comparação, o influente lobby saudita fez "apenas" cerca de 2.300 contatos. O foco desse esforço é tentar impedir a construção de um oleoduto entre a Rússia e a Alemanha, que contornaria a Ucrânia, privando os ucranianos de bilhões em impostos sobre o trânsito do petróleo russo para a Europa. Para isso, o Senador Ted Cruz e outros aliados propuseram uma lei que sancionaria pesadamente o governo russo, que não passou pelo Congresso - mas outra lei, com ainda mais sanções, já está tramitando no lugar dessa.

Uma das muitas capas de revista retratando Putin como um político maligno. Fonte: Medium.

Apenas o lobby, é claro, não é capaz de explicar toda a crise. Há uma convergência de interesses dos ucranianos com setores importantes da burocracia estatal dos EUA que querem conter o crescimento da influência russa, a todo custo - inclusive argumentando a favor de uma guerra entre as potências nucleares. A grande mídia, que nunca considera legítimas as preocupações dos russos em relação à expansão da OTAN e do estabelecimento de bases militares dos EUA em seu entorno, não traz vozes dissidentes e simplesmente repete as falas dos lobistas. A longa campanha para pintar o Presidente Putin como a encarnação do mal, o diabo em pessoa ou o novo Hitler, cria um clima favorável à narrativa dos EUA como representantes do "bem". De quebra, os CEOs das maiores fornecedoras de equipamento militar comemoram, de forma mais ou menos velada, o aumento das tensões. As quatro maiores estão com as ações em alta neste ano.

O objetivo deste texto não é desdenhar da possibilidade da guerra, mas mostrar que não é apenas a Rússia que está se movendo - os EUA estão influenciando diretamente a situação. Apesar dos belos discursos contra o autoritarismo, a favor da liberdade e da democracia, ou da defesa dos direitos humanos dos ucranianos, o que a máquina estatal, diplomática e militar estadunidense quer é domínio e hegemonia. Eles não suportam a ideia de serem desafiados por potências emergentes. Eles querem ter a capacidade de pressionar e conter todo e qualquer possível adversário - só assim conseguem manter sua posição como a nação "indispensável", o país mais poderoso do mundo. 

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