19/07/2018

A Operação Spectrum, um ano depois

No mês passado, fez um ano que a Operação Spectrum da Polícia Federal foi executada. O objetivo da operação foi prender Luiz Carlos da Rocha, também conhecido como Cabeça Branca, um megatraficante procurado há 30 anos. A invisibilidade desse traficante, procurado há décadas, foi o motivo do nome da operação, que quer dizer "fantasma" em latim. Porém, ele não era tão invisível assim, já que foi capa da revista Época em 2011. Ele fornecia cocaína para o tráfico no Rio, em São Paulo e também exportava para a Europa e os Estados Unidos. Com base apenas nas planilhas apreendidas na operação, entre 2014 e 2017 teriam sido negociadas 26 toneladas de cocaína, cerca de 650 kg por mês. O transporte era feito por aviões de pequeno porte, saídos dos países produtores como Bolívia, Peru, Colômbia e Paraguai. Ele possuía cinco fazendas, diversas casas, aeronaves, veículos de luxo, milhões de dólares em espécie e outros bens que somavam, segundo a PF, um patrimônio de US$100 milhões. Ele também era conhecido como "embaixador do tráfico" porque utilizava pouca violência nos seus negócios.

O caso foi coberto pontualmente pela mídia na época. Apesar de sair nos principais jornais, no dia seguinte o foco já era outro. Por que o nome dele não se tornou um nome tão conhecido como Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Marcinho VP, Nem e outros tantos? Aparentemente, isso ocorreu pelas características dele. Considerado um latifundiário, ele era discreto e andava livremente pelas ruas. Ele foi preso comprando pão na padaria. Ele não era como Jorge Rafaat, outro "empresário" do tráfico e seu sócio. Rafaat andava sempre com escoltas armadas e foi morto em 2016 numa ação violentíssima que envolveu até uma metralhadora anti-aérea. O caso espetacular, capturado por uma câmera de segurança, foi exibido diversas vezes na TV.

Capa da revista Época de outubro de 2011. Cabeça Branca é o 3º da esq. pra dir., no topo.
A PF prendeu um dos aliados próximos a Cabeça Branca na mesma operação. Em junho deste ano, foi a vez de Carlos Roberto da Silva, considerado seu "braço direito". A polícia gostaria de dizer que o tráfico sofreu um grande golpe, que ficou debilitado após o fim dessa organização, que prender esses traficantes deixou o país mais seguro. Mas a realidade é que é impossível desmantelar a organização inteira. Os produtores, os pilotos, os policiais, os políticos, fiscais de fronteira, fiscais dos portos, os motoristas de caminhão e os atacadistas que compravam de Cabeça Branca não foram presos. A cocaína continua inundando o país. Em março, um avião foi interceptado com 500 quilos da droga no Mato Grosso e outro, com 330 quilos, no Pará. Em abril, outro avião, com 458 quilos, no Amazonas, uma carreta com 238 quilos no Paraná e outra com 500 quilos em São Paulo. Em junho, mais 300 quilos num avião no Mato Grosso e 118 quilos num helicóptero no Paraná. Ou Cabeça Branca continua fazendo negócios de dentro da prisão, ou há outros "Cabeças Brancas" por aí, fazendo negócios milionários com os produtores. Como Jarvis Pavão, um dos "donos do tráfico" entrevistados para a matéria da Época, disse de dentro da prisão em 2011: "O tráfico de drogas nunca vai acabar. Podem prender dez Fernandinhos [Beira-Mar]. Dez não sei quem. Dez Pavão. Não adianta".

Ilustração republicada do site Ponte Jornalismo.

Operação Efeito Dominó

Em maio deste ano, foi deflagrada a Operação Efeito Dominó, um desdobramento da Spectrum. Nesta ação, uma rede de doleiros ligados a Cabeça Branca foi desmantelada pela polícia. Entre eles estava Carlos Alexandre de Souza Rocha, conhecido como Ceará. Ele já tinha sido alvo de outra operação da PF - a Operação Lava Jato, lá em 2014, na sua primeira fase, pois era um dos funcionários de Alberto Youssef. Em 2015, Ceará fechou acordo de delação premiada e se comprometeu a não voltar a fazer operações financeiras. Porém, os policiais afirmam que já no ano seguinte Ceará voltou a lavar dinheiro e um dos seus clientes era Cabeça Branca.

Na coletiva de imprensa, o delegado responsável destacou o "vínculo muito claro" entre o dinheiro do tráfico e dos políticos. De um lado, os pontos de venda de droga geram grande fluxo de dinheiro em espécie. Os traficantes então podem gastar esse dinheiro diretamente. Porém, quando se fala em centenas de milhares ou milhões de reais, fica impossível movimentar esse dinheiro em espécie. Há diversas histórias de traficantes que tinham sacos e sacos de dinheiro guardados, que alugaram apartamentos só pra guardar dinheiro, que perderam milhões por causa de mofo e por aí vai. Então o traficante necessita conseguir colocar esse dinheiro no sistema bancário para conseguir movimentá-lo. Do outro lado, a propina do político corrupto é paga em dinheiro vivo, que não tem como rastrear.

Assim, um doleiro como Youssef sempre está atrás de alguma maneira de conseguir esse dinheiro vivo. Aí que entrou o Ceará. Para a Justiça, em 2015, ele afirmou que vendia "vinhos, relógios e jóias" e por isso lidava com muito dinheiro, e foi assim que ele e Youssef passaram a ter uma parceria. O delegado responsável pela Efeito Dominó, Roberto Biasoli, afirmou que isso era mentira, ou seja, já naquela época o dinheiro que Ceará entregava aos políticos fazia parte do esquema de lavagem do tráfico de drogas. A PF tem indícios de que Ceará trabalhava para o tráfico pelo menos desde 2013. Porém, em depoimento recente à PF, Ceará afirmou que era Youssef quem trabalhava para Cabeça Branca, desde a década de 90, e que ele apenas "assumiu" o cliente do amigo após sua prisão. A defesa de Youssef nega. Aguardemos os próximos capítulos.

Um comentário:

  1. Brilhante texto, Caio.
    Quer dizer que o financiamento de políticos pode passar por um pedágio no tráfico? Os corretores (doleiros) "compram" dinheiro do tráfico com dinheiro do caixa dois???

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