04/11/2018

Os Estados Unidos, a Venezuela e Bolsonaro

Há cerca de um século, os Estados Unidos da América consideram a América Central e a América do Sul como sua área de influência. As razões variaram ao longo dos anos. No início do século XX, era a ideologia do "Grande Porrete", cujo nome vem de um provérbio africano que o então presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, gostava de repetir: "fale suavemente e carregue um grande porrete; você irá longe". No berço da Guerra Fria, os anos 40 e 50, havia diversos ditadores simpáticos aos EUA, ou seja, anticomunistas. Os Somoza na Nicarágua, Fulgêncio Batista em Cuba, Trujillo na República Dominicana, Stroessner no Paraguai, Marcos Pérez Jiménez na Venezuela e por aí vai.

Em 1959 veio a Revolução Cubana, a menos de 300 quilômetros da costa dos EUA. Um grupo de guerrilheiros liderados por Fidel Castro, Raul Castro e Che Guevara derrubou o governo de Batista e se alinhou com a União Soviética. Isso fez com que a Central Intelligence Agency, a CIA, fizesse um forte investimento para derrubar Castro, culminando na tentativa fracassada de invasão na Baía dos Porcos, em 1961. Em 1963 o então presidente John F. Kennedy declarou que era necessário "usar todos os recursos para prevenir o estabelecimento de outra Cuba neste hemisfério". Se sucederam ditaduras no Brasil, na Argentina, no Uruguai, em Honduras e na Nicarágua, entre outros.

A política do "Grande Porrete". Foto: Wikimedia commons.

Em 2002, após Hugo Chávez nacionalizar a exploração do petróleo na Venezuela sob o controle da Petróleos de Venezuela S. A. (PDVSA), o país sofreu um golpe de estado. Um novo presidente, Pedro Carmona, foi instalado e rapidamente reconhecido como legítimo pelos EUA. No entanto, uma movimentação rápida do exército e da população resultou na destituição de Carmona e na volta de Chávez ao poder. Este golpe é o foco do incrível documentário "A Revolução Não Será Televisionada". Chávez ganhou sucessivas eleições até sua morte em 2013, quando seu vice, Nicolás Maduro, assumiu e se mantém na presidência até hoje. O país, apesar de ter as maiores reservas de petróleo do mundo, vive uma gravíssima crise hiperinflacionária e de abastecimento.

O giro do Brasil

Nos anos dos governos Lula e Dilma, o Brasil foi aliado da Venezuela. Por causa da crise no nosso vizinho, esse apoio foi assunto durante a campanha para a Presidência do Brasil. Outro assunto recorrente entre os eleitores foi o nosso regime militar. Por um lado, o temor de um governo de esquerda causar aqui a mesma catástrofe que Maduro causou por lá. Ao mesmo tempo, a certeza de que o regime militar combateu duramente os comunistas, e, portanto, para prevenir que o Brasil "virasse uma Venezuela", era necessário eleger alguém da linhagem do regime militar e não da esquerda. Esse alguém foi Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército, do Partido Social Liberal (PSL).

Inspirado em Donald Trump - um apresentador de TV de língua solta com uma forte presença nas redes sociais que se elegeu presidente dos EUA contra todas as probabilidades - o capitão conquistou o eleitorado com o discurso anticomunista e anticorrupção - uma corrupção ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), a principal força de esquerda no Brasil e o partido do seu oponente Fernando Haddad. Ganhou o segundo turno com 57 milhões de votos, a segunda maior votação da história do Brasil, atrás apenas daquela recebida por Lula, o líder encarcerado do PT, no segundo turno de 2006.


Num ato a favor de Bolsonaro, no domingo anterior à votação, o candidato fez um discurso inflamado contra a esquerda, dizendo que iria "varrer os marginais vermelhos" e que diversas figuras do PT, incluindo seu adversário no pleito, "iam apodrecer na cadeia". Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, no mesmo ato disse, em relação a Venezuela, que o Brasil iria "libertar nossos irmãos da fome e do socialismo", que "a melhor solução para a crise migratória que nós vivemos é a saída de Maduro do poder" e que "a gente vai dar uma lição nesse narcoditador". Ele também citou o então candidato a vice-presidência General Hamilton Mourão, que disse em sabatina à GloboNews que "a nossa próxima força de paz será na Venezuela". Durante a apuração dos votos, o deputado estava reunido com um grupo de oposição à Maduro, o Rumbo Libertad.

Por sua vez, o presidente dos EUA, Donald Trump, falou em "opção militar" em agosto do ano passado, a respeito do nosso país vizinho. No início de setembro o New York Times fez uma matéria sobre as discussões entre oficiais dos EUA e comandantes militares da Venezuela sobre um golpe no país.  No final do mesmo mês, em reunião com o presidente do Chile, Sebastián Piñera, Trump disse que iriam falar da Venezuela e que o país era um "desastre que precisa de uma limpeza". Na segunda-feira, dia 29, um dia após o segundo turno, uma matéria da Folha com uma fonte anônima do alto escalão do governo colombiano afirmou que a Colômbia apoiaria uma operação militar contra a Venezuela lançada por Trump ou Bolsonaro. O governo colombiano, por meio de uma declaração em vídeo, negou qualquer sugestão de intervenção militar, porém a Folha não se retratou e manteve a matéria no ar.  A Colômbia tem tratados militares com os EUA, faz manobras em conjunto com o exército estadunidense e é um forte aliado do país na região. No mesmo dia, Trump ligou para Bolsonaro e disse que teve uma boa conversa com o presidente eleito, e que os EUA irão trabalhar junto com o Brasil "no comércio, forças armadas e tudo mais".


Também no dia 29, o ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado Mike Pompeo ligou para Bolsonaro e conversou sobre o compromisso com a democracia e os direitos humanos e sobre a cooperação na política externa, incluindo sobre a Venezuela. Em relação aos direitos humanos, vale lembrar que a CIA e o Departamento de Estado sabiam que o alto escalão do regime militar no Brasil, na década de 70, estava diretamente envolvido na execução ilegal de pessoas consideradas "subversivas", como revelou o pesquisador Matias Spektor em maio deste ano. Esses assassinatos, no entanto, não geraram comoção nos EUA e nem resultaram em sanções ou qualquer tipo de manifestação negativa pública, na época.

Finalmente, na sexta-feira, dia 2, o Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, fez elogios à eleição de Iván Duque, na Colômbia, e Jair Bolsonaro, no Brasil, atacou os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua, os chamando de "troika da tirania", e disse que os EUA vão impor sanções a eles. Apesar do nome de "conselheiro", Bolton é um dos quatro membros do National Security Council (Conselho de Segurança Nacional), a mais alta entidade de comando do governo federal dos EUA, que eu já descrevi em um texto anterior.

Por mais que uma operação militar brasileira contra a Venezuela pareça algo saído de um livro de ficção, essa não é a única opção na mesa. Além da pressão diplomática, o Brasil pode aceitar servir de base para forças de "Operações Especiais" dos militares estadunidenses, ou até para mercenários e clandestinos da CIA. Na preparação da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, já citada aqui, um dos países que serviu de base foi a Nicarágua do ditador Somoza. Na Síria, rebeldes foram treinados pelos EUA na Jordânia e na Turquia para tentar derrubar Bashar al-Assad. Os EUA tem uma "oportunidade de ouro" para tais operações com um governo tão amigável no Brasil. Será que vão aproveitá-la ou vão respeitar a soberania do nosso vizinho sul-americano?

29/10/2018

11 pontos sobre o futuro governo Bolsonaro

Este não é um texto de grandes previsões, está concentrado nos movimentos iniciais do governo e principalmente na relação do governo com a mídia e o público.

Ponto 1: Bolsonaro teve uma votação expressiva, de 57 milhões de votos, e tem uma vasta rede de apoiadores. Apesar das denúncias de utilização de "spam", ainda não provadas, ele possui uma verdadeira mídia alternativa concentrada em sua própria figura. Bolsonaro, do seu celular, em conjunto com seus seguidores mais famosos e seus correligionários, consegue falar diretamente com milhões de apoiadores em questão de minutos. O único jeito de saber o que ele está falando é também segui-lo, ler os tuítes e assistir as lives. Isso estabelece uma ponte de diálogo com seus eleitores; ao invés de citar uma manchete da "manipulada" grande mídia, é possível analisar diretamente o que ele diz. Ou seja, um ponto forte da comunicação dele também abre a possibilidade de criticá-lo se baseando em suas próprias palavras.

Donald Trump na primeira coletiva após sua eleição. Foto: reprodução.

Ponto 2: Ele vem há bastante tempo se espelhando em Donald Trump. Por enquanto, isso ocorreu na campanha, mas deve continuar durante a presidência. Isso significa que podemos esperar que anúncios importantes de rumos do governo, nomeações e comentários sobre crises e eventos serão feitos via redes sociais.

Ponto 3: A grande mídia já está um pouco perdida. Assim como na esteira da eleição de Trump, estão clamando por um Bolsonaro com "modos de Presidente". Isso não deve acontecer. Ele não vai mudar de postura nem de discurso. É essa postura e esse discurso que o elegeu. Mudar seria trair toda a sua base de eleitores.

Ponto 4: Qualquer mínimo aceno de que ele ficou mais ameno, qualquer declaração mais pomposa que destoe do Bolsonaro que estamos acostumados vai ser "comemorada" como um "ponto de inflexão". Isso é uma ilusão. Com o Trump ainda tem gente esperando essa mudança, quase dois anos depois da eleição.

Bolsonaro falando em uma Live no Facebook para o ato na Paulista, 21/10/2018. Foto: reprodução.


Ponto 5: Ele vai tentar, a todo momento, desacreditar a grande mídia. Ele não vai seguir os ritos esperados. Por outro lado, nenhum presidente pode ficar sem comunicação em massa. Então, assim como Trump escolheu a Fox News para dar as caras para o público, Bolsonaro provavelmente escolherá a Rede Record. Além da entrevista durante o debate no primeiro turno, ele deu a primeira entrevista como presidente para esse canal, algo que tradicionalmente era feito pela Rede Globo. É pra ficar de olho neles e no portal R7. No rádio, a rede Jovem Pan foi a mais simpática a sua candidatura.


Ponto 6: Nessa mesma linha, ele deve valorizar algumas plataformas e personalidades online, como o portal Terça Livre, que foi recebido para uma entrevista exclusiva a poucos dias da eleição, ou O Antagonista, que tem entre seus jornalistas o Felipe Moura, que já foi retuitado várias vezes por Bolsonaro, entre outros. Os próprios congressistas eleitos pelo PSL tem um perfil ativo nas redes e podem ser usados para externar ideias do governo. Aí entram Alexandre Frota, Joice Hasselmann, seus filhos Carlos, Eduardo e Flávio e tantos outros.

Ponto 7: Ao mesmo tempo, não é de se esperar uma gestão transparente. Ele é o candidato que desde o início da eleição não queria fazer debates e que após sofrer o atentado, proibiu seus assessores de falar com o público. Ultimamente, só fala com jornalistas amigáveis.

Ponto 8: Nem tudo no seu governo vai ser ruim ou um desastre. Mas a grande mídia, por ressentimento ou ideologia, tentará esconder qualquer avanço durante o governo Bolsonaro. Pode ter índices que melhorem, como por exemplo a taxa de desemprego. Se concentrar apenas no ruim pode aumentar a divisão e a polarização e fechar portas para o diálogo com seus eleitores.

Ponto 9: Já houve vários casos de apoiadores de Bolsonaro ameaçando ou até agredindo pessoas que eram contra o então candidato. Desde o início Bolsonaro disse que não tinha "controle" sobre quem "usava uma camiseta sua e cometia um crime". Há indícios de casos forjados, mas é bom ficar de olho. Se vir algo, registre.

Ponto 10: O gabinete do governo provavelmente vai trazer figuras do setor privado para os ministérios, secretarias e estatais. Os tais "técnicos" devem ser pessoas relativamente desconhecidas, já que não são quadros políticos. Porém, podem ter grandes conflitos de interesse com seus próprios negócios. Um exemplo é Stavros Xanthopoylos, consultor do ramo da educação a distância cotado para o Ministério da Educação. Outro é o próprio Paulo Guedes, cotado para a Fazenda, cujo banco BTG Pactual está envolvido no esquema ilegal de securitização da dívida pública.

Ponto 11: O governo Temer não conseguiu passar a reforma da Previdência, por exemplo, por conta da baixíssima popularidade, escândalos de corrupção e de um Congresso engessado. O partido de Bolsonaro foi o mais fiel ao governo Temer e já sinalizaram que parte da equipe do Temer vai continuar. O novo governo, por causa do respaldo popular nas urnas, da boa bancada no Congresso e da aparente disposição pra botar a polícia na rua pra reprimir manifestantes, virá como um trator para passar medidas duras e impopulares, numa continuação do pós-impeachment.

10/10/2018

Ataques, ameaças, justiceiros e mílicias: Ligando os pontos do Bolsonarismo

Menos de 24 horas após o encerramento do 1º turno das eleições de 2018, na madrugada de segunda-feira, dia 8, o mestre de capoeira conhecido como Moa do Katendê foi assassinado a facadas num bar em Salvador, na Bahia. O criminoso, um barbeiro de 36 anos, havia ingerido bebidas alcoólicas desde a manhã de domingo e chegou ao bar às 23h, segundo a polícia. Ele confessou que o motivo do crime foi político. Ele e Moa discutiram por causa da eleição. Ele apoiava o candidato Jair Bolsonaro (PSL) e Moa, Fernando Haddad (PT).

Esse não é o primeiro e está longe de ser o último caso de violência associada aos seguidores do candidato do PSL. Os casos se acumulam. Antes da eleição, eles resolveram atacar, nas redes, a jornalista que escreveu uma matéria crítica a ele. Porém, acabaram atacando outra jornalista, com o mesmo nome, que teve seus dados pessoais divulgados na Internet e sofreu diversas ameaças. No sábado antes da eleição, Julyanna Barbosa, mulher trans, ex-vocalista do grupo Furacão 2000, foi atacada com uma barra de ferro nas ruas do Rio de Janeiro. Os agressores disseram, antes de atacá-la, que "Bolsonaro vai ganhar pra acabar com os veados. Essa gente lixo tem que morrer". No domingo, um jornalista que usava uma camiseta com a imagem do ex-Presidente Lula foi atropelado por um motorista que depois ameaçou atirar, pois tinha uma arma. No perfil do motorista no Facebook, diversas postagens de ódio ao Partido dos Trabalhadores.

Ameaça que eu recebi no Facebook. Preciso dizer que candidato ele defendia?
Numa carreata pró-Bolsonaro na cidade de Muniz Ferreira, interior da Bahia, um cachorro foi morto a tiros por um dos manifestantes. Segundo a família, quando o cachorro, chamado de Marley, começou a latir para a carreata, o homem desceu do carro e disparou no pé do cachorro. Marley correu e o homem disparou mais duas vezes e o matou. Na segunda, uma jovem foi abordada por três homens e teve uma suástica cravada na barriga com um canivete por estar usando uma camiseta com os dizeres #EleNão. Segundo o delegado, porém, os agressores desenharam um "símbolo budista". No mesmo dia, Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em março deste ano, sofreu agressões verbais por homens usando a camiseta do candidato. Ela carregava sua filha de dois anos no colo. Ontem, terça-feira, um funcionário da UFPR foi agredido aos gritos de "aqui é Bolsonaro!" por um grupo de torcedores do Curitiba. Ele usava um boné do MST. Além disso, em duas ocasiões, torcedores de futebol foram gravados gritando "o Bolsonaro vai matar veado". Pelo WhatsApp e Facebook, as denúncias desses ataques estão se multiplicando.


Os ataques, infelizmente, não surpreendem. O candidato do PSL tem postura agressiva e seus apoiadores o imitam. Bolsonaro, por exemplo, deixou sua posição em relação aos homossexuais bem clara ao longo dos anos. Ele já declarou que "agora, homossexual, ninguém gosta, a gente suporta", que se um filho "começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um coro e muda de comportamento", que "não gostaria de ter um filho homossexual" e que "prefiro que meu filho morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí". Além disso já disse que "as minorias tem que se calar, se curvar a maioria, acabou". Em outubro, em um ato de campanha em Rio Branco, Acre, berrou em cima de um caminhão de som, segurando um tripé de câmera como se fosse uma arma, que "vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre". E foi ovacionado.

Cena do comício em Rio Branco. (Foto: reprodução).



Mesmo depois de uma enxurrada de críticas, disse que não pode se "violentar e virar o 'Jairzinho paz e amor'". Questionado por um repórter sobre como ele via esses atos de violência "em nome ou em apoio ao senhor", Bolsonaro entrou na defensiva, e primeiro disse que a vítima foi ele, que ele que levou a facada. Depois, disse que "um cara lá que tem uma camisa minha comete um excesso, que que eu tenho a ver com isso?". Continuou: "eu lamento, peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam". Terminou a resposta dizendo que "a violência vem do outro lado, a intolerância vem do outro lado" e minimizou a onda de violência falando que "tá feia a disputa, mas são casos isolados que a gente lamenta e espera que não ocorra".



A grande proposta de segurança pública do candidato é o armamento da população. Segundo ele, "o cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país". Essa sua mentalidade que insinua a "justiça com as próprias mãos", na minha opinião, é exatamente o que está dando combustível para esses ataques. Cada um deve se defender contra aquilo que parece o ameaçar. Não importa se é uma pessoa LGBT, um "esquerdista" ou um animal. O desprezo do candidato pelos direitos humanos é outro fator. Afinal, já que não há direitos humanos universais, caberia a cada um decidir quais humanos possuem direitos e quais não possuem.

Por fim, na mesma linha de pensamento de que há espaço para a justiça com as próprias mãos, o candidato, na rádio Jovem Pan, uma vez declarou que "naquela região onde a milícia é paga, não tem violência" e defendeu as milícias em outras ocasiões. Seu filho, em 2007, falava até na legalização das milícias. O candidato voltou atrás depois, mas sem condenar as milícias como um todo - para ele, elas "acabaram se desvirtuando". Ele também foi o único candidato a presidência que não deu declarações imediatamente após o assassinato de Marielle Franco, uma parlamentar do PSOL com atuação incisiva na área de direitos humanos e que participou da CPI das Milícias. Preferiu se calar "para não politizar o assunto", porém seus filhos não tiveram problemas em fazê-lo. Os principais suspeitos do crime são milicianos.

Se ainda como candidato, já há grupos de apoiadores que se sentem a vontade para intimidar, ameaçar e agredir pessoas nas ruas, o que acontecerá se ele for eleito? Vamos lembrar, aqui neste artigo mostrei que o ódio dos apoiadores pode se dirigir a uma pessoa LGBT, a um simpatizante do PT, a uma mulher com sua filha e até a um cachorro. Não tem muito critério. Será que veremos grupos de mascarados - ou até sem máscaras - andando nas ruas com as camisetas do candidato, espancando até quem "olhar torto" pra eles?

09/09/2018

Ataque ao Bolsonaro - "Lobo Solitário" ou algo mais?

Quem me conhece, sabe que eu adoro teorias da conspiração. As teorias sobre o ataque ao candidato a presidência Jair Bolsonaro (PSL) em Juiz de Fora, Minas Gerais, na tarde de 6 de setembro, começaram a surgir minutos depois que a notícia do ataque se espalhou nas mídias sociais. Por isso, vou abordar algumas delas.

Houve uma facada ou foi tudo farsa?


Algumas pessoas apontaram a aparente falta de sangue nas imagens que mostram o ataque. As imagens em vídeo inicialmente divulgadas mostram alguém golpeando o abdômen do Bolsonaro com algum objeto. Posteriormente apareceu um vídeo que mostra claramente a faca na mão do agressor. O movimento que o agressor faz é de uma "estocada", ou seja, um golpe perfurante. A polícia posteriormente divulgou uma foto da faca utilizada e é uma daquelas comuns, serrilhadas, de cozinha, que bate com o que é visto no vídeo. A largura da lâmina, portanto, não passa de 2 centímetros.



Não achei nenhum lugar que especifique o tamanho do ferimento, mas pelo vídeo o agressor não tentou "rasgar" a barriga do presidenciável. Ele enfiou a faca e em seguida tirou. Portanto, o espaço pro sangue sair era pequeno. E como o médico entrevistado aqui explica, naquela região não há artérias superficiais que poderiam ser atingidas e fazerem "jorrar sangue". A tendência é o sangue das partes atingidas internamente se acumular dentro do abdômen, e só depois de "encher" a cavidade, começar a sair pelo ferimento de entrada. Como logo em seguida ele foi levado deitado, o sangue não espalhou pela roupa dele.

Além disso, o candidato reagiu instantaneamente, se contorcendo de dor. As pessoas mais próximas também reagem instantaneamente, algumas agredindo o homem com a faca. Depois, o candidato foi levado ao hospital e há diversas declarações sobre os detalhes do ferimento, da cirurgia, da recuperação do candidato e etc., tanto de pessoas próximas ao candidato quanto de médicos envolvidos no caso. Há também várias fotos do candidato no pós-operatório. Por isso, eu acredito estar descartada a possibilidade de uma armação no que diz respeito a agressão em si.

O próprio Bolsonaro planejou o ataque?

A teoria de que o ataque foi armado pelo próprio candidato é um pouco mais difícil de provar o contrário, pois, salvo uma declaração explícita dele, ou áudios e mensagens interceptadas, tudo fica na esfera da especulação.

A questão mais óbvia pra mim é a seguinte: pra que arriscar sua própria vida por um suposto benefício eleitoral quando se é o primeiro colocado das pesquisas? Nada garante que esse ataque aumente as chances de eleição dele. O ataque de fato deu muita publicidade para o candidato, mas também o tirou das ruas por pelo menos duas semanas num momento em que ele está sendo alvo de diversas campanhas por parte dos concorrentes. Ele vai se defender com vídeos da cama do hospital? Eu duvido que os marqueteiros vão gostar disso.

Um exemplo que me vem a cabeça é o da eleição dos EUA em 1960. O embate era entre JFK e Nixon e um debate televisionado (o primeiro entre presidenciáveis na história dos EUA) foi muito importante nessa eleição. Nele, JFK aparecia jovem, bonito, disposto, animado, enfim, 100%, enquanto Nixon estava abatido e magro, fraco até, recém-saído de um tempo no hospital por uma lesão no joelho. O caso de Bolsonaro é muito mais grave e ele terá que usar uma bolsa de colostomia até dezembro. Acamado, abatido, sob o efeito de analgésicos e com dificuldade pra se locomover, fica difícil de vender a imagem de "durão que vai resolver tudo na porrada".

O agressor é um "lobo solitário" ou o ataque envolve mais pessoas?

Essa é a parte que vai dar mais "pano pra manga". Primeiramente, não dá pra tirar conclusões a partir de apenas alguns dias de informações. Uma coisa que eu aprendi pesquisando casos polêmicos como assassinatos, atentados terroristas, golpes de estado, etc., é que tem que olhar pras evidências primeiro, e depois tirar conclusões. E no momento, não temos muitas evidências, então tem que ter paciência. Tem que construir o quebra-cabeças peça por peça, com calma. Dito isso, logo que o ataque aconteceu, eu imaginei que fosse alguém simples e com algum distúrbio psicológico, um perfil frequente nestes casos. Aparentemente não há distúrbio, apesar dos advogados terem pedido uma avaliação psicológica. O agressor, Adelio Bispo de Oliveira, não possui curso superior e trabalha como servente de pedreiro mas foi descrito como "inteligente e bem-articulado" por um dos advogados. Ele também foi filiado ao PSOL de 2007 a 2014, conforme informação do site do Tribunal Superior Eleitoral.

Além disso, tem um vídeo circulando que supostamente mostra que mais de uma pessoa estava envolvida no ato. O vídeo diz que uma mulher passa a faca pra outro homem, que passa pro Adelio. Eu particularmente não vi essa sequencia de eventos no vídeo. A faca usada pelo agressor estava envolta num pano branco (provavelmente para não chamar atenção) e eu não vi o pano branco sendo passado de mão em mão.



Dá pra ver uma faca aqui? (Foto: reprodução YouTube).
Por outro lado, tem alguns fatores a considerar. Primeiro, a data é muito significativa, na véspera da comemoração da Independência do Brasil. Esse é uma data muito importante para o candidato, que sempre reforça seu patriotismo e orgulho da nação. Por causa disso, o ataque não parece ter sido totalmente aleatório e envolveu algum planejamento. A data foi escolhida para o máximo de impacto.

Outra coisa é o fato de Adelio ter quatro advogados particulares. Por um lado, isso parece suspeito já que ele não parece ter renda suficiente pra contratar tantos advogados. O próprio advogado de Bolsonaro, o deputado federal Fernando Francischini (PSL-RS), chamou atenção pra isso. Por outro, há advogados que pegam casos como esses simplesmente pela publicidade associada. O Estado de Minas fez algumas matérias abordando esse aspecto (aqui e aqui) e de fato um dos advogados diz explicitamente que "a visibilidade, para nós, é bem-vinda. Chegamos primeiro". A remuneração é "irrisória" e custeada por uma igreja, que não teve o nome divulgado.

Por último, o Ministro da Justiça Raul Jungmann usou as palavras "lobo solitário" pra descrever o agressor. Como ele pode chegar a essa conclusão em tão pouco tempo? Ainda mais considerando que há outro suspeito preso e o próprio Ministro também dizer que estão investigando a rede de contatos do agressor. Acredito que ele tenha usado essas palavras para estancar as especulações de envolvimento dos adversários de Bolsonaro na eleição. Esse tipo de especulação partiu até do próprio vice da chapa de Bolsonaro, General Hamilton Mourão, que afirmou em nota que foi um "militante do Partido dos Trabalhadores" que atacou seu colega. Fake news, já que o agressor não foi filiado ao PT e sim ao PSOL.

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Esses são os aspectos mais importantes que eu vi sobre o caso. Faltou abordar alguma teoria? Manifeste-se nos comentários!

19/07/2018

A Operação Spectrum, um ano depois

No mês passado, fez um ano que a Operação Spectrum da Polícia Federal foi executada. O objetivo da operação foi prender Luiz Carlos da Rocha, também conhecido como Cabeça Branca, um megatraficante procurado há 30 anos. A invisibilidade desse traficante, procurado há décadas, foi o motivo do nome da operação, que quer dizer "fantasma" em latim. Porém, ele não era tão invisível assim, já que foi capa da revista Época em 2011. Ele fornecia cocaína para o tráfico no Rio, em São Paulo e também exportava para a Europa e os Estados Unidos. Com base apenas nas planilhas apreendidas na operação, entre 2014 e 2017 teriam sido negociadas 26 toneladas de cocaína, cerca de 650 kg por mês. O transporte era feito por aviões de pequeno porte, saídos dos países produtores como Bolívia, Peru, Colômbia e Paraguai. Ele possuía cinco fazendas, diversas casas, aeronaves, veículos de luxo, milhões de dólares em espécie e outros bens que somavam, segundo a PF, um patrimônio de US$100 milhões. Ele também era conhecido como "embaixador do tráfico" porque utilizava pouca violência nos seus negócios.

O caso foi coberto pontualmente pela mídia na época. Apesar de sair nos principais jornais, no dia seguinte o foco já era outro. Por que o nome dele não se tornou um nome tão conhecido como Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Marcinho VP, Nem e outros tantos? Aparentemente, isso ocorreu pelas características dele. Considerado um latifundiário, ele era discreto e andava livremente pelas ruas. Ele foi preso comprando pão na padaria. Ele não era como Jorge Rafaat, outro "empresário" do tráfico e seu sócio. Rafaat andava sempre com escoltas armadas e foi morto em 2016 numa ação violentíssima que envolveu até uma metralhadora anti-aérea. O caso espetacular, capturado por uma câmera de segurança, foi exibido diversas vezes na TV.

Capa da revista Época de outubro de 2011. Cabeça Branca é o 3º da esq. pra dir., no topo.
A PF prendeu um dos aliados próximos a Cabeça Branca na mesma operação. Em junho deste ano, foi a vez de Carlos Roberto da Silva, considerado seu "braço direito". A polícia gostaria de dizer que o tráfico sofreu um grande golpe, que ficou debilitado após o fim dessa organização, que prender esses traficantes deixou o país mais seguro. Mas a realidade é que é impossível desmantelar a organização inteira. Os produtores, os pilotos, os policiais, os políticos, fiscais de fronteira, fiscais dos portos, os motoristas de caminhão e os atacadistas que compravam de Cabeça Branca não foram presos. A cocaína continua inundando o país. Em março, um avião foi interceptado com 500 quilos da droga no Mato Grosso e outro, com 330 quilos, no Pará. Em abril, outro avião, com 458 quilos, no Amazonas, uma carreta com 238 quilos no Paraná e outra com 500 quilos em São Paulo. Em junho, mais 300 quilos num avião no Mato Grosso e 118 quilos num helicóptero no Paraná. Ou Cabeça Branca continua fazendo negócios de dentro da prisão, ou há outros "Cabeças Brancas" por aí, fazendo negócios milionários com os produtores. Como Jarvis Pavão, um dos "donos do tráfico" entrevistados para a matéria da Época, disse de dentro da prisão em 2011: "O tráfico de drogas nunca vai acabar. Podem prender dez Fernandinhos [Beira-Mar]. Dez não sei quem. Dez Pavão. Não adianta".

Ilustração republicada do site Ponte Jornalismo.

Operação Efeito Dominó

Em maio deste ano, foi deflagrada a Operação Efeito Dominó, um desdobramento da Spectrum. Nesta ação, uma rede de doleiros ligados a Cabeça Branca foi desmantelada pela polícia. Entre eles estava Carlos Alexandre de Souza Rocha, conhecido como Ceará. Ele já tinha sido alvo de outra operação da PF - a Operação Lava Jato, lá em 2014, na sua primeira fase, pois era um dos funcionários de Alberto Youssef. Em 2015, Ceará fechou acordo de delação premiada e se comprometeu a não voltar a fazer operações financeiras. Porém, os policiais afirmam que já no ano seguinte Ceará voltou a lavar dinheiro e um dos seus clientes era Cabeça Branca.

Na coletiva de imprensa, o delegado responsável destacou o "vínculo muito claro" entre o dinheiro do tráfico e dos políticos. De um lado, os pontos de venda de droga geram grande fluxo de dinheiro em espécie. Os traficantes então podem gastar esse dinheiro diretamente. Porém, quando se fala em centenas de milhares ou milhões de reais, fica impossível movimentar esse dinheiro em espécie. Há diversas histórias de traficantes que tinham sacos e sacos de dinheiro guardados, que alugaram apartamentos só pra guardar dinheiro, que perderam milhões por causa de mofo e por aí vai. Então o traficante necessita conseguir colocar esse dinheiro no sistema bancário para conseguir movimentá-lo. Do outro lado, a propina do político corrupto é paga em dinheiro vivo, que não tem como rastrear.

Assim, um doleiro como Youssef sempre está atrás de alguma maneira de conseguir esse dinheiro vivo. Aí que entrou o Ceará. Para a Justiça, em 2015, ele afirmou que vendia "vinhos, relógios e jóias" e por isso lidava com muito dinheiro, e foi assim que ele e Youssef passaram a ter uma parceria. O delegado responsável pela Efeito Dominó, Roberto Biasoli, afirmou que isso era mentira, ou seja, já naquela época o dinheiro que Ceará entregava aos políticos fazia parte do esquema de lavagem do tráfico de drogas. A PF tem indícios de que Ceará trabalhava para o tráfico pelo menos desde 2013. Porém, em depoimento recente à PF, Ceará afirmou que era Youssef quem trabalhava para Cabeça Branca, desde a década de 90, e que ele apenas "assumiu" o cliente do amigo após sua prisão. A defesa de Youssef nega. Aguardemos os próximos capítulos.

09/06/2018

Uma espiada no mecanismo do Governo Invisível

Estudando as agências de inteligência e o chamado "Governo Invisível", aprendi que há dois tipos de vazamentos de informações confidenciais:

1. As informações embaraçosas que o Governo Invisível morre de medo que vazem.

2. As informações cuidadosamente selecionadas que o Governo Invisível quer que vazem.

Na primeira categoria, temos os casos de Daniel Ellsberg, Ed Snowden, Thomas Drake e outros. Nestes casos, a informação vazada diz respeito a graves crimes ou operações inconstitucionais que o governo está escondendo do público. Os indivíduos responsáveis por vazar essas informações são massacrados pelo sistema de justiça e pelos políticos. Em alguns casos, o funcionário se arrisca para transmitir a informação para um jornalista, e o jornalista por sua vez, trai a fonte e vai direto para a agência avisar que houve um vazamento.

Na segunda categoria, estão os vazamentos que as próprias agências de inteligência fazem, com objetivos políticos. Neste caso, elas cultivam relacionamentos com alguns jornalistas (em geral em Washington, DC), e dão informações privilegiadas - e secretas - que eles querem estampadas nas capas dos jornais. Esses relacionamentos são o "mercado dos segredos" descrito por James Risen, um veterano com 30 anos de jornalismo e vencedor de um Pulitzer. Em troca, quando esses jornalistas querem publicar algo visto como danoso, as agências intervém e bloqueiam as matérias. Como mágicos, revelam o que está na mão direita e distraem o público enquanto a mão esquerda executa todo tipo de operação ilegal e anti-ética. Com isso, eles controlam o que o público sabe e a narrativa da imprensa.

James Wolfe numa audiência no Senado em 1996. Fonte: C-SPAN.
Quinta-feira, 7 de junho, um dos "vendedores" do mercado de segredos foi preso [correção: foi detido, interrogado e liberado], acusado de vazar informações para uma jornalista (com quem também teve um relacionamento amoroso). Ele é James Wolfe, o ex-diretor de segurança do poderoso Comitê de Inteligência do Senado dos EUA. O vazamento em questão ocorreu em algum ponto dos últimos 3 anos, porém ele deteve esse cargo por 29 anos. Será que ele passou 26 anos no cargo, e só resolveu vazar informações nos últimos 3 anos, sem nenhuma recompensa aparente? Na minha opinião, é óbvio que não. Uma das razões para ele se manter tanto tempo no cargo deve ter sido justamente sua habilidade de controlar o fluxo de informações sigilosas - revelando as coisas certas enquanto defendia a todo custo os segredos explosivos. 

Ele um típico membro poderoso do Governo Invisível - até hoje, seu nome era praticamente desconhecido, mas há quase três décadas ele exercia seu poder. Ou seja, entraram e saíram cinco Presidentes sem que seu poder fosse abalado. Ele fez parte dessa burocracia permanente ligada às agências de inteligência que acabam moldando a política dos governos independentemente da filiação política ou da plataforma dos membros do Executivo e Legislativo eleitos pelo público.

27/05/2018

As investigações ufológicas oficiais na América do Sul - Parte 1

No segundo dia do Congresso, o principal painel foi sobre as iniciativas oficiais do Uruguai, Chile, Argentina, Peru e Brasil. Elas são consideradas oficiais pois tem, ou tiveram, a cooperação das forças estatais, como Polícia, Bombeiros, Controladores de Vôo e Militares. Qualquer relato recebido por essas instituições é encaminhado para o órgão de investigação do país. Os investigadores também tem acesso aos relatórios delas e tem um canal aberto para pedir informações de radar ou de tráfego aéreo, por exemplo. O grau de cooperação varia de país para país.

Em sentido horário: CEFAA (Chile), CRIDOVNI (Uruguai), CIOANI (Brasil) e CEFORA (Argentina).


O primeiro a falar nesse painel foi o Coronel Ariel Sánchez Rios, vice-presidente do CRIDOVNI (Comision Receptora e Investigadora de Denuncias sobre Objetos Voladores no Identificados) e correspondente internacional da Revista UFO. Ele iniciou a apresentação marcando sua posição de que "OVNI não significa extraterrestre". Na TV e nos jornais, o sensacionalismo toma conta e quando qualquer objeto estranho é filmado ou fotografado, lá vem as referências aos "ETs". Repetindo o óbvio, Sánchez disse que "não identificado quer dizer 'não identificado', ou seja, não é possível afirmar que é extraterrestre". Mais pra frente, Rodrigo Fuenzalida do Chile também frisou esse ponto.

Ele também chamou a atenção para um documento da NASA, "Arqueologia, Antropologia e Comunicação Interestelar" (2014), que fala da possiblidade de que houve contato com outros seres no nosso passado. Como exemplo, Sánchez mostrou diversas imagens, desde pinturas rupestres até telas pintadas na Idade Média que mostram seres diferentes e até naves. Para ele, as imagens que registramos hoje com nossas câmeras, celulares e filmadoras são a continuação desses registros. Outro exemplos que ele deu foram as fotos tiradas por um astronauta a bordo da missão STS-88 da NASA, de um objeto que ficou conhecido como "satélite Black Knight (Cavaleiro Negro)" e o vídeo recentemente desclassificado do Pentágono do objeto visto próximo ao porta-aviões USS Nimitz em 2004.

Um dos slides da apresentação com pinturas da Idade Média.
O "satélite" Black Knight. Fonte: NASA.

 
 O vídeo do incidente do USS Nimitz.

Depois, ele voltou para o Uruguai, que teve ondas de avistamentos nos anos 50, 60 e 70. Houve muitos casos, denúncias, relatos e fotos. Durante os anos 60, havia associações civis que se reuniam com pesquisadores da Argentina e eventualmente buscavam informações com a Força Aérea. Finalmente, em 1979, foi fundado o CRIDOVNI, pouco depois de uma reunião da ONU que recomendou que cada país fundasse um órgão de investigação. A organização começou com 40 pessoas, mas mais pra frente ficaram só 6. Em 2001, uma organização irmã, o CRIFAT, não-governamental, foi fundada.

O CRIDOVNI tem um departamento operativo, um técnico e um de arquivo e estatística, além da direção. O objetivo é investigar os casos de forma científica, sem medo. A metodologia é coletar testemunhos e evidências e juntar com os dados de passagem de satélites e manobras militares aéreas, fenômenos astronômicos e outras coisas mais mundanas, como uma discoteca terrestre que esteja usando um laser ou um holofote. Além disso a testemunha passa por uma avaliação psicológica. O departamento operativo é responsável por ir a campo onde há alguma ocorrência, o técnico pela análise e o arquivo e estatística por compilar dados.

Entre 1979 e 2017 foram analisados 1450 casos. Desses, 43 casos (3%) foram classificados como não-convencionais. A existência do CRIDOVNI permitiu que houvesse grande força humana para invesigar 24h por dia, todos os dias do ano, e juntar num lugar só todos os eventos. Em seguida ele apresentou alguns desses casos. Num deles um objeto foi rastreado no radar viajando a Mach 10 e fazendo curvas de quase 90 graus sem reduzir a velocidade. Em outro, o objeto deixou marcas no solo e alterou a composição da terra. Os casos extraordinários são raros, mas existem. Há um preconceito contra a pesquisa ufológica que pressupõe que todos os casos são explicáveis. Porém alguns casos, investigados a fundo, seguem sem explicação. Esse é o caso não só com o CRIDOVNI, mas com outras investigações oficiais como o Projeto Blue Book (Livro Azul) dos EUA.

A conclusão do Coronel, após décadas de envolvimento com o fenômeno, é de que existe "uma tecnologia aeronáutica muito superior a nossa, que assombra nossos países, não só aqui como no estrangeiro. Podem ser humanos ou extraterrestres, mas evidentemente há uma tecnologia superior". Além disso, ele fez um apelo para que os ufólogos latinoamericanos parem de dar tanta importância para a ufologia estadunidense, e passem a confiar nas próprias investigações e conclusões.

Na segunda parte, serão descritas as outras investigações oficiais.

26/05/2018

"No Brasil, os militares não atiram nos OVNIs" - Abertura do 23º Congresso de Ufologia

Ontem, começou o 23º Congresso Brasileiro de Ufologia, em Porto Alegre. O evento é organizado pela Revista UFO, a mais antiga publicação do mundo sobre o assunto, com 450 revistas publicadas, além de inúmeros livros. Esta edição contará com palestras sobre as investigações oficiais dos militares de 5 países: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Estados Unidos. Além disso, vários outros aspectos do fenômeno serão abordados.

O evento começou com uma apresentação de A. J. Gevaerd, um dos fundadores da Revista UFO e pesquisador há várias décadas. Ele mostrou algumas das iniciativas da revista, do Centro Brasileiro de Pesquisa sobre Discos Voadores e do Instituto Brasileiro de Exopolítica, que incluem viagens, congressos e até um curso para formar investigadores ufológicos, ministrado por um perito criminal. Uma das principais campanhas é "Caso Varginha: Temos o Direito de Saber!".

O caso Varginha, ocorrido em janeiro de 1996, é um dos mais importantes da ufologia mundial. Um objeto, detectado por radar e visto por várias testemunhas, caiu numa fazenda próxima a Varginha. O empresário Carlos de Souza estava viajando de carro, viu o objeto caindo e foi até o local investigar. Chegando lá, havia dezenas de militares no local recolhendo os destroços da nave. Um deles viu Carlos, retirou de suas mãos um pedaço da nave e o expulsou do local. Em seguida, ele foi até um posto de gasolina e lá foi abordado por dois homens que o ameaçaram. Ele ficou meses em silêncio até ver uma matéria na Revista UFO e resolver entrar em contato com o ufólogo Claudeir Covo para contar sua história[1].

Alguns dias depois, começaram as histórias de que criaturas estranhas estavam na cidade. Bombeiros capturaram uma das criaturas com uma rede, em 20 de janeiro. À noite, o PM Marco Eli Chereze encontrou outra criatura e a capturou com as próprias mãos[2]. Duas semanas depois, ele começou a sentir dores e teve paralisia progressiva. Deu entrada no hospital dia 15 de fevereiro e faleceu em seguida, aos 23 anos de idade. Os motivos para o óbito, segundo o médico, foram "insuficiência respiratória aguda, septicemia e pneumonia bacteriana"[3].
Os corpos dos seres foram levados pelos militares para a Unicamp, sob os cuidados do legista Fortunato Badan Palhares[4]. Todos os militares envolvidos foram ordenados a manter silêncio sobre o caso e todos os arquivos foram guardados à sete chaves. A Carta de Varginha explica o caso em mais detalhes.

Vinte e dois anos depois, o segredo tem que acabar. Por isso há uma petição online para pressionar os militares e liberarem a informação. A Revista UFO já se reuniu com os militares em Brasília, em 2005, e foi bem recebida lá. Porém, na reunião, o representante do Exército disse que não sabia o que estava fazendo lá, mandando uma mensagem clara que o Exército não cooperaria. A Força Aérea, como veremos mais pra frente, tem cooperado bastante com os ufólogos. O Exército estava diretamente envolvido com a recuperação dos destroços da nave e dos tripulantes em Varginha, o que talvez explique a relutância em cooperar.

Palestrantes no evento. Da esq. para a dir.: Coronel Aviador Marcos Kentaro Adachi, comandante do CINDACTA II, Coronel Antonio Celente Videira, membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, A. J. Gevaerd, fundador da Revista UFO e Marco Antonio Petit, editor da Revista UFO.
Após a apresentação de Gevaerd, foi a vez de Marco Antonio Petit. Autor de dez livros e editor da Revista UFO desde a primeira edição, sua palestra focou nos casos ufológicos que envolveram militares brasileiros, além dos depoimentos particulares e declarações públicas de militares de todas as patentes. O objetivo foi estabelecer qual a posição oficial dos militares frente ao fenômeno, além de falar sobre a conclusão que alguns militares já chegaram, porém ainda não falam abertamente - de que na verdade, os seres humanos compartilham a Terra com outros seres, que tem diversas bases no "nosso" planeta.

A apresentação começou relembrando uma coletiva de imprensa que a Força Aérea convocou em novembro de 1954. Naquele ano, houve uma "onda" de avistamentos de OVNIs. Uma formação de OVNIs foi avistada em pleno dia pela Guarda Presidencial no Palácio do Catete. Milhares de pessoas avistaram um objeto em Curitiba e a foto estampou os jornais da época. Na coletiva, o então Chefe do Serviço de Informações do Estado Maior disse: “O problema dos discos voadores tem polarizado a atenção do mundo inteiro, é sério e merece ser tratado com seriedade. Quase todos os governos das grandes potências se interessam por ele e o tratam com seriedade e reserva, dado seu interesse militar”.

Petit também descreveu um dos primeiros encontros da Marinha brasileira com um objeto não identificado. O caso foi descrito pelo Almirante Fernando de Almeida Rodrigues e ocorreu durante a II Guerra Mundial. Os submarinos alemães estavam torpedeando navios brasileiros na costa nordestina e a Marinha era responsável por resgatar os náufragos. Ele contou que ao chegar próximo dos locais dos ataques, havia objetos luminosos no ar, em cima dos sobreviventes. Ele chegou a conclusão que seja lá quem fosse, queria ajudar. Em outro caso, ele e a filha adolescente observaram uma nave que pousou e seus tripulantes interagiram com eles. Quando o Almirante dos Discos Voadores morreu, a Marinha entrou na sua casa e confiscou muitos documentos.

Outro encontro da Marinha com esses objetos produziu uma das mais famosas fotos de OVNIs do mundo, tirada na praia de Trindade em 16 de janeiro de 1958. O navio Almirante Saldanha estava numa missão para mapear a costa e havia um fotógrafo a bordo, Almiro Barauna. De repente, os marinheiros observaram um objeto metálico, circular, no horizonte. Houve uma "convulsão" no navio, segundo o fotógrafo, entrevistado por Petit. Ele tirou diversas fotos e quatro mostraram o objeto. O próprio Presidente na época, Juscelino Kubitschek, mandou uma das fotos para os donos do Correio da Manhã, no RJ.

Montagem com duas das fotos tiradas por Barauna.
Outro caso muito conhecido foi a "Noite Oficial dos UFOs no Brasil", em 19 de maio de 1986. 21 objetos foram detectados por radar e a Força Aérea enviou caças para investigar. Um dos caças foi seguido por 13 objetos. Os militares convocaram uma coletiva na qual os pilotos puderam descrever o caso, e prometeram um relatório detalhado depois. Só que a imprensa "esqueceu" do relatório e não pressionou pela sua liberação. Petit e a jornalista Regiane Schumann conseguiram entrevistar o ministro depois, que disse que o relatório não foi divulgado porque não conseguiram chegar a algumas conclusões, como o tamanho dos objetos. O comando da força aérea foi trocado nesse interim e o novo comando negou tudo. O ministro, sabendo essa nova posição, abriu o jogo e disse:
“Naturalmente existe uma preocupação muito grande das autoridades em não divulgar notícias que possam levar ao pânico as populações, porque isto poderia provocar uma série de especulações e levar até um estado de histeria coletiva. Todos nós temos conhecimento do que aconteceu em Nova York a partir de Orson Welles, e a radio difusão de sua novela sobre a chegada dos extraterrestres”
O caso que o ministro se referiu foi o pânico que ocorreu nos EUA em 1938, quando o autor Orson Welles leu um trecho do livro A Guerra dos Mundos e milhares de pessoas acreditaram na invasão alienígena, entrando em pânico. Esse caso é muito conhecido na história da ufologia. No livro Flying Saucers from Outer Space, do Major Donald Keyhoe, que tinha acesso aos arquivos ufológicos dos EUA, ele diz que "a memória desse pânico ainda preocupava os oficiais de Defesa"[5]. Ou seja, esse era um argumento contra a revelação por parte dos militares.

Voltando à noite oficial dos UFOs, um dos aspectos mais complicados para os militares admitirem é a superioridade tecnológica dos objetos. O ex-ministro, em outra oportunidade, ficou alguns dias com Petit e então conversou mais sobre o caso. Ele disse que foi feito um levantamento total com o CINDACTA I, o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo, ou seja, as conversas entre os pilotos e os controladores, e os dados dos radares que cobriam a área onde os objetos estavam. Foi constatado que um objeto afetou um sistema de navegação de um dos caças. Também calcularam as velocidades dos objetos. Um dos objetos acelerou da imobilidade para 2000km/h em segundos, outro se moveu a Mach 15 dentro da atmosfera, algo que nenhum caça chegava próximo. A conclusão do ex-ministro foi que a tecnologia envolvida naquele caso estava tão distante da nossa realidade que "parecia magia".


Além desses, Petit descreveu um caso que ocorreu em 1962 numa patrulha no Rio Paraguai, a Operação Prato e casos na Serra da Beleza, na qual ele presenciou várias vezes objetos que parecem entrar e sair da terra. Ele também ressaltou que vários militares destacaram que não ouviram falar de um caso sequer de ações hostis por parte dos UFOs. Aqui no Brasil, para atirar num objeto desses, é necessária uma ordem presidencial. Outros países tem uma política diferente e tentam abater os objetos avistados.

Por fim, ele contou sobre uma palestra que fez no Clube Naval, no Rio de Janeiro, em abril deste ano. Segundo Petit, há grupos que discutem ufologia abertamente no Clube. Nessa palestra, ele descreveu sua hipótese sobre o acobertamento. A principal razão, para ele, é que na verdade outros seres possuem bases no nosso planeta. Militares já falaram sobre isso de forma extra-oficial mas tem medo de admitirem publicamente que os objetos foram detectados saindo da Terra, ao invés de chegando. J. Allen Hynek, o consultor da Força Aérea dos EUA sobre o fenômeno UFO durante décadas, também aludiu a esse fato em 1983, quando disse que o número de objetos rastreados na Terra é muito superior ao número de objetos que são rastreados vindo do espaço.

Sua conclusão, como pesquisador, é que o maior contato é com nós mesmos. Temos que refletir sobre quem somos, quem são eles, o que eles esperam de nós e que a humanidade é apenas uma das raças do universo. Nenhuma civilização é dona de nada e somos todos co-habitantes do universo numa jornada evolutiva coletiva.

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Há uma farta história no Brasil do envolvimento dos militares com UFOs. Para os brasileiros, os militares são a instituição mais confiável do Brasil. Ou seja, era para esses contatos e essas declarações serem de conhecimento comum - para que o assunto da ufologia não seja mais estigmatizado ou ridicularizado pela população em geral. Como disse o ministro há mais de 60 anos, o assunto tem que ser tratado com seriedade. Por isso, a questão não é de crença, e sim de acesso à informação. A Força Aérea vem liberando milhares de arquivos e cooperando com os pesquisadores. Falta a Marinha e o Exército fazerem o mesmo. Nós precisamos saber tudo que os militares já sabem sobre o fenômeno ufológico para assim, passarmos ao próximo passo: o que fazer em relação à esses outros seres que dividem conosco o universo?

Notas:

[1]: Petit, Marco Antonio. Varginha: Toda Verdade Revelada (2015), p. 58-61.
[2]: Ibid, p. 87.
[3]: Ibid, p. 129.
[4]: Ibid, p. 115.
[5]: Keyhoe, Donald E.. Flying Saucers from Outer Space (1954), p. 19.

08/04/2018

O fantasma das armas químicas na Síria

Hoje, a organização "rebelde" Jaish al-Islam acusou o governo de Bashar al-Assad de atacar a região de Douma, no entorno da capital da Síria, Damasco, utilizando armas químicas. Algumas ONGs, que desde o início do conflito na Síria acusam o governo sírio dos mais diversos crimes, ecoaram a acusação desse agrupamento rebelde radical, que recebeu fundos da Arábia Saudita. O Presidente Trump tuitou sobre o ataque, dizendo:
"Muitos mortos, incluindo mulheres e crianças, em ataques químicos estúpidos na Síria. Área de atrocidade está em confinamento e cercada pelo exército Sírio, tornando-a completamente inacessível para o mundo exterior. O Presidente Putin, Rússia e Irã são responsáveis por apoiar o animal Assad. Grande preço a pagar. Abram a área imediatamente para assistência médica e verificação. Outro desastre humanitário sem qualquer razão. Doente! Se o Presidente Obama tivesse cruzado a sua dita linha vermelha na areia, o desastre sírio teria terminado há muito tempo! O animal Assad teria sido história!"
O Departamento de Estado denunciou o ataque e uma reunião de emergência foi convocada pela ONU. Especialistas já estão utilizando o suposto ataque para culpar Assad. Fotos de crianças que a ONG "Capacetes Brancos" (White Helmets) disseminou, alegando que são vítimas do ataque do exército sírio, estamparam a primeira página do site do New York Times, da CNN e da BBC.

Capas dos sites da CNN, New York Times, BBC e BBC Brasil no dia 08/04/2018. Fonte: reprodução.
O ataque faz sentido?

Em 2013, o suposto uso de armas químicas foi o gatilho para que o então Presidente Obama ameaçasse uma ação militar ainda mais robusta na Síria.  Após deliberações privadas, o plano foi descartado. Ao invés da ação militar, chegou-se um acordo com o governo de Assad, que destruiu todo o seu estoque de armas químicas, assim como sua capacidade de produção delas. Porém, em abril de 2017, o presidente Trump decidiu lançar 59 mísseis Tomahawk contra a Síria, em resposta a um suposto ataque de armas químicas pelo exército sírio. Quase um ano depois, o Secretário de Defesa James Mattis admitiu que não havia provas que o governo sírio foi responsável pelo ataque.

Depois disso, como eu apontei no final do ano passado, Trump encerrou um programa bilionário da CIA para armar "rebeldes" na Síria e, por coincidência, o Estado Islâmico passou a perder espaço, território e poder. Isso abriu uma nova etapa no conflito da Síria. A coalizão do governo com a Rússia e o Irã passou a sistematicamente derrubar o Estado Islâmico nos vários locais que a organização jihadista dominava. Um dos últimos locais de resistência é o entorno da capital, Damasco, na região de Ghouta Oriental. Ou seja, o combate terreno está nos capítulos finais.

Mas além do programa clandestino da CIA, os EUA tem tropas das Forças Armadas na Síria para combater o Estado Islâmico. Em Al Tanf, estabeleceram uma base militar. O candidato Trump prometeu parar de "construir nações" no estrangeiro durante sua campanha e num discurso semana passada, declarou que "quer sair" da Síria. Isso gerou uma reação entre os assessores e líderes militares, que são contra a retirada.

Recapitulando

Portanto, temos estes fatos:

1. Os EUA dizem que ataques com armas químicas são intoleráveis.

2. O governo sírio destrói as armas químicas.

3. Trump tira a CIA do conflito.

4. O exército sírio declara vitória em várias cidades.

5. Trump anuncia que vai retirar as Forças Armadas do conflito também.

6. Então, o governo sírio resolve fazer a provocação suprema - um ataque com armas químicas - no último enclave dos rebeldes!

Isso não faz sentido. Só dá pra acusar o governo sírio de ser o autor desses ataques, se acreditarmos que eles são loucos. E é exatamente essa a imagem que querem passar da liderança da Síria, da Rússia e do Irã - são todos loucos, não é possível prever o que eles vão fazer e eles podem agir irracionalmente a qualquer momento. Porém loucos são pessoas que às vezes ficam internadas, às vezes não conseguem cuidar das próprias vidas, precisam de ajuda e acompanhamento - o que não condiz com o perfil de um líder responsável por milhões de vidas.

Loucos? Em sentido horário: Bashar al-Assad (Síria), Vladimir Putin (Rússia) e Hassan Rohani (Irã). Fonte: Wikimedia Commons.
Essa ação irracional, porém, faria muito sentido para os próprios rebeldes que querem derrubar o governo de Assad. A opinião pública mundial, vendo as fotos das crianças sofrendo, pode achar que um ataque dos EUA ou da OTAN é justificado, o que enfraqueceria o exército sírio e fortaleceria os rebeldes. Trump podria decidir voltar a financiar os grupos através da CIA, o que traria recursos e armas - e por aí vai. Isso é minha teoria da conspiração? Não. Mês passado, o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que rebeldes iriam fazer um ataque com armas químicas e que iriam culpar o governo de Assad. Será que ele acertou?

02/04/2018

DEA, CIA e cartéis associados

(Este texto também foi publicado no jornal Hora do Povo).

A agência federal de combate às drogas dos EUA, a Drug Enforcement Agency, é uma piada. É como se você criasse uma agência pra acabar com os supermercados do país. Aí fecha O Dia, Supermercado Barbosa, Supermercado Violeta, mercadinho do bairro... E deixa Wal-Mart, Extra e Carrefour abertos.

Agentes da DEA treinando para enxugar gelo. Foto: Wikimedia Commons.
Não é culpa de seus agentes. É que quando eles chegam próximos dos barões das drogas, a CIA entra em cena e mela a operação. Se prendem algum, é porque foi feito algum acordo. Estamos vendo isso com "El Chapo", o maior traficante do México, que está preso, mas não foi acusado de vários crimes que cometeu (ou seja, houve um acordo).

Selo da CIA, também conhecida como "Cocaine Importing Agency" (Agência de Importação de Cocaína).
Foto: Wikimedia commons. 
Há vários anos atrás, fizeram o mesmo com Danilo Blandón, da Nicarágua. Quando a DEA ia prender o mega-traficante em flagrante, alguém sempre o avisava - suspeita-se que era a CIA, já que Blandón estava ajudando a financiar o exército dos "Contras" na guerra secreta da CIA na Nicarágua. Eventualmente transformaram Blandón em informante e ele ganhou várias proteções[1].

Outra mega-traficante protegida pela CIA foi Sonia Atala, uma boliviana. O ex-agente da DEA Michael Levine conta em detalhes como conseguiu ficar próximo dela e descobriu que ela estava negociando toneladas de cocaína para o Ministro do Interior da Bolívia Luis Arce Gomez. Ele estava próximo de atrair para dentro dos EUA o "Ministro da Cocaína", como Gomez era conhecido, porém sua operação foi sabotada[2]. A CIA fez parte da conspiração pelo golpe de 1980 na Bolívia, que ficou conhecido como o Golpe da Cocaína. Toda a alta cúpula militar estava envolvida no negócio e todos eram considerados "associados" da CIA. Sonia atualmente tem uma nova identidade e está no programa de proteção a testemunhas, mas segundo Levine ela continua traficando[3].

Notas:

[1] Webb, Gary (1999). Dark Alliance: the CIA, the Contras and the Crack Cocaine Explosion, cap. 18.
[2] Levine, Michael (1993). A Grande Mentira Branca, p. 539, p. 579-580.
[3] Ibid., p. 639.

30/03/2018

Os 5 tipos de agentes da CIA

O vocabulário faz parte do arsenal de técnicas da CIA para obscurecer suas operações. Hoje vou examinar como a CIA denomina seus funcionários. Há duas categorias básicas: as pessoas que são consideradas funcionários da CIA - os agentes - e os que são recrutados pela CIA, porém não têm vínculo oficial - os colaboradores.

Entrando na CIA

O funcionário da CIA é um cidadão dos EUA que é recrutado para a agência, ou que envia seu currículo para ela. Os recrutados são pessoas que se destacam de alguma forma e que a CIA, discretamente, entra em contato. Pode ser um estudante brilhante na faculdade, ou um soldado que possua alguma qualidade que a CIA está buscando, ou um funcionário de outra agência que a CIA queira recrutar. Também tem quem simplesmente manda o currículo pra lá e é chamado.

O processo de seleção da CIA é duro, de acordo com várias descrições, mas varia de acordo com a função que a pessoa vai exercer. Em geral, o indivíduo se submete à uma extensa análise de sua história, da história da sua família e de suas características pessoais. Hoje em dia, todos têm que passar por um exame no polígrafo, mas nem sempre foi assim. Antes, apenas alguns casos exigiam o polígrafo. Além disso, alguns recrutas passam por um teste por escrito.

Teste do polígrafo. Fonte: Wikimedia commons.
O funcionário que administra o teste pergunta de tudo: sobre a vida sexual, sobre crimes e delitos, história da família, vícios, etc. Uma das perguntas mais importantes, no entanto, é do contato com agentes estrangeiros. É essa pergunta que tenta descobrir se a CIA não está recrutando um espião para dentro da agência. Depois de passar pela análise do histórico e pelo polígrafo, se o recruta for para o serviço clandestino, ele vai para a Farm (Fazenda), o apelido da base de Camp Peary, da Marinha dos EUA. Lá, ele passa por um extenso treinamento e aprende desde métodos pra mandar mensagens secretas e como colocar uma escuta numa sala até como atirar e lidar com explosivos. A parte do treinamento no Camp Peary é mostrada no filme O Recruta, que eu mencionei no artigo Filmadoras e Armas, parte 2.

Funcionários da CIA

Após entrar na agência, o funcionário pode seguir várias carreiras:

Analista: este é o funcionário "de escritório" da CIA. Ele fica numa estação estrangeira ou no quartel general da CIA em Langley, Virgínia. Sua função é processar todas as informações sobre um assunto específico, "política do Brasil", por exemplo. As informações vêm de várias fontes e são chamadas de "inteligência crua". Pode ser desde uma matéria de jornal, uma entrevista ou um discurso, até mensagens interceptadas pela NSA ou uma conversa gravada por uma escuta. O analista pega essas informações e transforma num relatório, que vai pro seu cliente, que pode ser outro funcionário da CIA, um militar, um político, etc. Há vários ex-analistas que se tornam figuras públicas após se desligar da agência, como Paul Pillar e Ray McGovern.

Durante sua estadia na CIA, no entanto, esse funcionário nega que é funcionário de lá, até para parentes e amigos próximos. Há várias coberturas e uma das mais usadas é dizer que é funcionário do Departamento de Estado.

Quartel general da CIA em Langley, Virgínia. Foto: Wikimedia commons.
Agente de campo: esta pessoa passou pelo treinamento na Fazenda e aprendeu a operar clandestinamente. Ela é o mais próximo do que imaginamos quando pensamos num "agente secreto da CIA". Sabe se disfarçar, passar mensagens secretas, se infiltrar em prédios para colocar escutas, fazer contatos clandestinos, etc. Atua no exterior, normalmente sob proteção da Embaixada. Ou seja, utiliza credenciais oficiais do governo e é conhecido por um pequeno número de funcionários da Embaixada (às vezes, apenas o Embaixador). Se apresenta como "Adido da Embaixada", por exemplo. Seu superior no país é chamado de Chefe de Estação (Chief of Station, CoS, em inglês), que também é funcionário da CIA. A identidade do CoS também é secreta, obviamente. Recentemente houve um pequeno escândalo no Brasil quando a Embaixada revelou o nome do Chefe de Estação da CIA no Brasil.

Agente de campo não-oficial: este também passou pelo treinamento. Porém, ele vai para seu posto sem cobertura oficial. Ou seja, a missão oficial dos EUA desconhece sua identidade, quem paga seu salário é uma empresa de fachada e caso ele seja pego, o governo dos EUA negará que ele é seu agente. Também é conhecido pela sigla NOC (Non-Official Cover, Cobertura Não-Oficial). Valerie Plame Wilson era uma NOC da CIA que teve sua identidade revelada em 2003. Ela era a esposa de Joseph Wilson, um ex-embaixador que foi à Nigéria em 2002 para investigar se Saddam Hussein havia tentado comprar toneladas de urânio. Ele não encontrou provas disso e escreveu um relatório, que chegou até o escritório do então Vice-Presidente Dick Cheney. A Casa Branca não ficou feliz com os resultados, pois queria arranjar uma desculpa para atacar Saddam. Em retaliação, além de desacreditar o relatório, o Chefe de Gabinete de Cheney, Lewis "Scooter" Libby, vazou a identidade de Plame para a imprensa, pondo sua vida em risco e impossibilitando-a de continuar trabalhando. Esta história é contada no ótimo filme Jogo de Poder. Libby foi condenado a 30 meses de prisão em março de 2007, mas teve sua sentença modificada pelo então Presidente Bush, antes de ser preso.

Oficial: estes são os funcionários da CIA que possuem um cargo de supervisão ou de diretoria. Os do mais alto escalão (Diretores e Vice-Diretores) não são mais agentes secretos, já que seus nomes são divulgados para o público. Ou seja, são oficialmente reconhecidos pelo governo como funcionários da CIA. Normalmente têm carreiras extensas, de 20, 30 anos, dentro da CIA ou de outras agências estratégicas. Michael Hayden, por exemplo, entrou no serviço militar em 1969, fez carreira na inteligência da Força Aérea, depois foi diretor da National Security Agency entre 1999 e 2005 e terminou sua carreira no governo como Diretor da CIA entre 2006 e 2009.

Colaboradores da CIA

Esta é a categoria mais nebulosa de agentes. São as pessoas que têm a ligação mais "tênue" com a CIA. Em geral são estas pessoas que cometem mais crimes e irregularidades. Em inglês, a palavra que eles usam é asset, que quer dizer "bem" ou "recurso", um eufemismo que visa confundir quem investiga a agência. Quando alguém descobre um desses colaboradores e diz que "o agente da CIA X fez tal coisa", a CIA imediatamente pode negar que o indivíduo é um "agente". Aliás, mesmo se utilizarmos a linguagem correta, a CIA pode negar, apostando que nenhum documento que a conecte ao colaborador vai ser encontrado.

O colaborador é qualquer pessoa que tenha um mínimo compromisso com a CIA. Por exemplo, um jornalista de um jornal dentro dos EUA pode ser um colaborador. Carl Bernstein, o jornalista parceiro de Bob Woodward durante o escândalo Watergate, escreveu um extenso artigo, que foi capa da Rolling Stone, sobre a Operação Mockingbird. Nessa operação, a CIA recrutou ou plantou jornalistas dentro das principais redações dos EUA. Além de ficar de olho nos colegas e relatar à CIA quando algum deles se aproximasse de algo que a CIA queria manter em segredo, muitas vezes esses colaboradores eram os responsáveis por cobrir a CIA. Ou seja, conseguiam controlar muito bem que informação saía para a imprensa.

Outra operação que recrutou colaboradores foi a Operação ZRRIFLE, que recrutou ladrões e assassinos para colaborar com a CIA, a partir dos anos 60. A operação veio à tona durante as investigações da CPI que ficou conhecida como Church Committee. Essa operação, sobre a qual temos pouquíssimas informações, é a principal evidência de que a CIA possuía um arsenal de assassinos à sua disposição. Pouco tempo depois, o presidente Gerald Ford assinou uma Ordem Executiva que proibiu a CIA de conduzir assassinatos, porém alguns argumentam que esta ordem não vale mais nada, já que a CIA atualmente comanda um programa de drones capaz de matar pessoas do outro lado do mundo.

Durante os anos 80, em resposta à Revolução Sandinista na Nicarágua, que derrubou o ditador Anastasio Somoza, a CIA recrutou ex-membros do regime do ditador para tentar retomar o poder. O exército formado pela agência ficou conhecido como Contras. A enorme operação clandestina teve vários capítulos, que valem um artigo dedicado só a ela. Mas resumindo, a operação inicialmente foi autorizada pelo Congresso, que voltou atrás após os Contras minarem um porto na Nicarágua e causarem um incidente internacional. Eles aprovaram uma lei conhecida como Emenda Boland, que proibia o financiamento dos Contras. A Administração Reagan, à revelia do Congresso, buscou fundos com outros países, como a Arábia Saudita, além de fechar os olhos para o tráfico de cocaína por parte dos líderes Contras. Com o dinheiro do tráfico, estes comandantes financiavam o treinamento e armamento do exército Contra.

A operação sofreu um forte golpe em 1986, quando os sandinistas derrubaram um avião de transporte C-123. O piloto era estadunidense e eventualmente admitiu que trabalhava para a CIA. O Congresso dos EUA abriu uma enorme investigação que se desdobrou em vários comitês e expôs muita informação sobre como a CIA conduzia seus negócios. Foram revelados diversos colaboradores, desde o dono de um rancho da Costa Rica que deixou a CIA construir um alojamento para treinar soldados, passando por membros do alto escalão de Honduras, Panamá, Guatemala, que sabiam que havia um exército paramilitar operando em seu território mas que ficaram quietos em troca de maletas de dinheiro, até os traficantes de cocaína que doaram milhões para a "causa" dos Contras e os pilotos que transportavam armas, dinheiro e drogas para todos os lados. Todos esses colaboradores, apesar de não terem um vínculo "oficial" com a CIA, gozavam de muitos benefícios, incluindo a proteção da agência contra quem quer que tentasse interferir com seus planos.
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