11/03/2015

Golpe de Estado x "Revolução Popular"


Hoje vou tratar do golpe de estado no Irã em 1953.

Muito do que vou descrever foi extraído deste e deste links. Neles, há documentos originais desclassificados pelo governo dos EUA descrevendo seu papel no golpe. Também vou tomar de referência as páginas da Wikipédia relacionadas ao assunto.

Em 1951, Mohammed Mossadegh foi eleito Primeiro Ministro do Irã. O Irã era uma monarquia (o soberano se chamava Xá Mohammed Reza Pahlavi), porém havia eleições para o Parlamento, que apontava o Primeiro Ministro. Mossadegh foi eleito pelo Parlamento por 79 votos a favor e 12 contra. Era um político carismático, firme e popular. Dentro de sua plataforma política, estava a nacionalização de uma petrolífera britânica, a Anglo-Iranian Oil Company, que explorava o petróleo iraniano e não partilhava seus lucros. (A AIOC hoje é a BP - British Petroleum). A nacionalização não seria um confisco dos bens da empresa; o lucro dos anos seguintes seria utilizado para pagar uma compensação.

Mohammed Mossadegh


Em 1º de Maio de 1951, Mossadegh foi adiante com sua promessa e nacionalizou a AIOC. Porém, uma série de processos judiciais, um bloqueio marítimo e a falta de pessoal técnico fez com que a produção de petróleo despencasse. Sendo assim, os possíveis benefícios da nacionalização não puderam ser sentidos. É claro, quem estava perdendo muito dinheiro era a AIOC, praticamente uma estatal britânica.

Simultaneamente à isso, a CIA e o MI6 (o serviço de espionagem britânico) começavam a planejar a remoção de Mossadegh do poder. Em abril de 1953, o então diretor da CIA Allen Dulles (que ainda vai aparecer muito neste blog) ordenou que 1 milhão de dólares fossem usados pela estação da CIA em Tehran "de qualquer forma que resultasse na queda de Mossadegh" (p. 3). Quem elaborou o plano para a derrubada de Mossadegh foi Donald N. Wilber, um agente da CIA no Irã que se passava por arquiteto. Outro agente da CIA, Kermit Roosevelt, sobrinho do falecido Presidente Franklin D. Roosevelt, ficou encarregado de executar o plano, cujo codinome foi TPAJAX.

Para isso, militares e parlamentares foram subornados; líderes religiosos foram pressionados; manifestações violentas foram organizadas; a mídia Ocidental foi manipulada para mostrar tudo como uma revolução espontânea, resultado da "impopularidade" de Mossadegh; material de propaganda foi produzido pela CIA para convencer os iranianos da remoção de Mossadegh; e, principalmente, o Xá foi pressionado a remover Mossadegh de seu cargo. A CIA teve que "assegurar [o Xá] que os EUA e o Reino Unido iriam apoiá-lo firmemente e que os ambos haviam decidido que Mossadegh deveria sair" (1º parágrafo).

A culminação do golpe foram as movimentações de 19 de agosto de 1953. Nesse dia, os golpistas organizaram uma manifestação "comunista" violenta, que destruiu e saqueou lojas. Em resposta, um grupo também organizado pelos golpistas fez uma manifestação pró-Xá, que por sua vez mobilizou os cidadãos de Teerã. Assim, o General Zahedi, que havia sido nomeado Primeiro Ministro pelo Xá como parte do movimento golpista, tomou as ruas com o exército e cercou a casa de Mossadegh. No fim do dia, ele estava com o controle do governo. Então, o Xá, que estava refugiado na Itália, voou de volta para Teerã, acompanhado de Allen Dulles.

Depois do sucesso do golpe, o Xá virou a marionete à frente do governo iraniano. Uma brutal polícia secreta, a SAVAK, foi criada com o auxílio da CIA e torturava e prendia opositores do regime, além de exercer censura. A AIOC, é claro, voltou a dar alegria ao governo Britânico e seus aliados, explorando as vastas reservas de petróleo iranianas até a revolução de 1979, que derrubou o Xá.

A história secreta desse golpe de estado, escrita dentro da CIA, apareceu pela primeira vez apenas em 2000, ou seja, 47 anos depois, numa matéria do New York Times, apesar de outros documentos já serem conhecidos (essa história é o primeiro link, lá em cima). Mesmo assim, foi um vazamento que resultou nessa revelação. A CIA, o governo estadunidense e o governo britânico ainda se recusam a divulgar milhares de páginas de documentos sobre o golpe.

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O ponto aqui não é fazer uma grande revelação. O papel dos EUA nesse golpe, e em outros, é conhecido há décadas. O meu objetivo aqui é dizer que:

Primeiro, esse foi um golpe de estado bem sucedido, executado sob ordens do alto escalão do governo dos EUA. A reação veio apenas 26 anos depois, na revolução de 1979 que instaurou o regime atual do Irã. Vale notar que o filme Argo, lançado em 2013, retrata a CIA como grande heroína ao resgatar seus agentes da embaixada, durante a revolução de 1979. Ignora totalmente a história.

Segundo, ao contrário do golpe de 1964 no Brasil, em que a participação dos EUA é dada como nota de rodapé pela maioria dos historiadores, e que "todo mundo" sabe que os EUA participaram, mas não expressam revolta por conta disso, no Irã o ressentimento é muito maior. Todos sabem, em detalhes, como foi feito o golpe. Os EUA criaram e sustentaram um regime brutal por quase 30 anos.

Terceiro, esse não foi o único golpe feito dessa maneira. O molde desse golpe foi repetido em diversos países; inclusive em seus motivos. No ano seguinte, houve um golpe na Guatemala, consequência de um governo que quis nacionalizar as terras da United Fruit Company, produtora de bananas. Outros se seguiram.

Quarto, os documentos que provam a conspiração criminosa de alto escalão para influenciar um governo estrangeiro foram ocultados por décadas. Não é que a conspiração foi algo na surdina, feita à revelia do governo dos EUA e da Grã-Bretanha; ela foi discutida, debatida e decidida dentro de suas instituições.

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Dito isso sobre o Irã...

Dada a importância geopolítica na Ucrânia, será possível que não houve nem uma operação clandestina (da CIA, ou de outras agências) no meio do tumulto que começou a atual "guerra civil" no país? Será que nenhum dos membros do novo governo não recebeu uma comunicação como a que o Xá recebeu, de que "os EUA iria apoiá-lo firmemente" caso aderisse ao movimento golpista? Hmm...

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