14/02/2020

Bem-me-quer, mal-me-quer: O Partido Democrata e Bernie Sanders

Nas eleições para presidência dos EUA em 2016, este blog remou um pouco contra a corrente, pra variar, e lançou dois artigos desmistificando Hillary Clinton (aqui e aqui). Na época, ela e Bernie Sanders eram os concorrentes a vaga de candidato a presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata. Apesar da grande fama, do nome forte, de uma administração democrata que deixou o desemprego nas mínimas históricas e da perspectiva de uma mulher ganhar a Casa Branca, em nenhum momento Hillary empolgou os eleitores. O problema era que enquanto a forma parecia perfeita, o conteúdo dela era um centrismo "sem sal". O eleitorado democrata parecia muito mais entusiasmado com a ideia de ter Bernie Sanders como candidato.

Enquanto Hillary recebia toneladas de dinheiro de lobistas, do mercado financeiro e das grandes corporações, Bernie discursava sobre as injustiças do sistema estadunidense e teve o maior número de doadores individuais da história. Sim, a economia parecia ir bem, dizia Sanders, mas nos últimos dez anos, o 1% mais rico ficou mais rico, a grande maioria ficou estagnada e os mais pobres ficaram mais pobres. Sim, o desemprego está baixíssimo, mas agora muitos tem mais de um emprego, milhões desistiram de procurar e os empregos ficaram cada vez mais precários. Ele levava multidões aos seus comícios; ela, nem tanto.

Bernie Sanders discursa em Nova Hampshire, antes de sua vitória, na terça-feira, 11 de fevereiro. Foto: Reuters

Do lado republicano, quase uma dúzia de pessoas disputavam as primárias para decidir quem seria o candidato. Donald Trump, até então um bilionário famoso em Nova Iorque, que nunca havia se candidatado a nada, resolveu tentar ser presidente. Com seu jeito direto de falar e uma presença de palco incomum, habilidade que desenvolveu ao longo de décadas estando na TV e tendo seu reality show, ele começou a atropelar seus adversários nos debates. Usando um misto de insultos aos adversários, falas apelativas e uma campanha de marketing sofisticada, ele foi ganhando uma primária atrás da outra, até que sua candidatura se tornou inevitável. Assim como Sanders, ele entusiasmava as plateias de seus discursos. As pesquisas mostravam que ele ganharia contra Hillary, mas perderia contra Sanders.

O Partido Democrata, no entanto, fez de tudo para barrar a candidatura do independente (1) socialista. Parte da campanha contra ele estava dentro das regras, pois como ele não era filiado ao partido, eles não eram obrigados a ajudá-lo. Outra parte envolveu muitas matérias plantadas na mídia e até uma âncora da CNN mandando as questões de um debate para uma pessoa ligada a Hillary. Tal campanha foi revelada por um vazamento dos e-mails do diretório nacional para o Wikileaks. Posteriormente, acusaram a inteligência russa de ter feito tal vazamento, que pegou muito mal para Hillary e que, segundo ela, foi responsável pela eleição de Trump. Na comoção que se seguiu, os Democratas no Congresso abriram uma investigação contra o presidente eleito para buscar seus possíveis laços com os russos, o que não deu em nada, apesar de desgastá-lo por quase dois anos.

Avançando para as eleições atuais, desta vez é o campo Democrata que tem uma dúzia de candidatos. Novamente, Sanders se lançou como candidato e passou a receber uma saraivada de ataques na imprensa. Além de diversos casos de distorção óbvia, nos quais as manchetes ou chamadas das matérias simplesmente omitiam o fato de que o senador de Vermont estava indo bem nas pesquisas ou até mudavam os dados, em todos os debates o viés anti-Bernie tem sido transparente. Os mediadores sempre guardavam as perguntas mais agressivas e incisivas para ele, enquanto simplesmente "levantavam a bola" para seus oponentes falarem de suas qualidades ou se juntarem ao coro nos ataques ao socialista. Quem também deu seu pitaco foi a própria Hillary Clinton, que disse, numa entrevista, que "ninguém gosta" do senador e se recusou a afirmar que o apoiaria caso ele fosse nomeado pelo seu partido. Isso apesar dele ter feito mais de 40 discursos em apoio a ela em 2016.

Nas duas primárias que já ocorreram, Iowa e Nova Hampshire, ele ganhou o voto popular, apesar de ficar com mais ou menos o mesmo número de delegados que um dos queridinhos do Partido, Pete Buttigieg, por causa da matemática maluca que rege essas eleições. Isso está deixando os lobistas e a própria grande mídia em pânico. Por conta desse processo de escolha gradual, vitórias no início asseguram a viabilidade do candidato e tendem a garantir mais votos para os ganhadores dessas primárias. O candidato precisa atingir o número de 1991 delegados até a convenção do partido, em julho, para garantir sua vaga. Agora é a fase inicial, e faltam duas votações - Nevada, no dia 22 de fevereiro, e Carolina do Sul, no dia 29. Daí, no dia 3 de março, a "Super Terça-Feira", nada menos que 1344 delegados estarão em disputa. Ou seja, o candidato ou candidata que chega bem nessa data pode praticamente decidir a nomeação.

Isso significa que o Partido Democrata tem pouco mais de duas semanas para conter uma onda de apoio a Sanders. Para isso, além de Buttigieg, outro candidato apareceu para embolar a disputa: o bilionário Michael Bloomberg, uma das pessoas mais ricas do mundo. Em pouco tempo, ele quebrou todos os recordes de gastos em sua campanha - e isso é a parte declarada. Logo após a entrada de Bloomberg, o Partido alterou algumas regras para que ele pudesse participar de um debate, por exemplo, mostrando que estão dispostos a ajudá-lo. Nem Buttigieg, nem Bloomberg, possuem a mesma base eleitoral que Sanders. Eles não tem a mesma projeção nacional que ele construiu ao longo de várias campanhas, nem seus discursos empolgam. Novamente, parece que os Democratas preferem não eleger ninguém - e, no caso, eleger Donald Trump - ao invés de eleger Bernie Sanders.

(1) Nos EUA as regras permitem que se lance uma candidatura independente para as primárias.

3 comentários:

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  3. A cúpula democrata tem muitos interesses em comum com os republicanos. Isso vai dificultar a campanha do Sanders nas próximas semanas.

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