A tal "mudança de regime", uma expressão traduzida do inglês "regime change", que por sua vez é um modo bem estadunidense, bem cínico, de se referir à um "golpe de estado", não é um processo limpo, tranquilo e racional. Um país que possui um governo central apoiado na força ou numa personalidade específica é um país muito frágil. A quebra desse governo, a descontinuidade do poder, produz uma reação em cadeia imprevisível.
No Iraque, por exemplo, Saddam Hussein estava há 24 anos no poder, num território com uma das cinco maiores reservas de petróleo do mundo. A administração Bush, na preparação para a invasão do Iraque, dizia que seria um serviço rápido, que em questão de meses Saddam seria derrubado e o Iraque se tornaria uma nova democracia. Na verdade, a invasão do Iraque se tornou uma ocupação, que chegou a ter 170 mil soldados quatro anos depois, em 2007, e hoje, em 2019, ainda tem cerca de 5 mil. O Estado Islâmico foi uma das consequências imprevistas da invasão. O grupo surgiu no Iraque e depois se espalhou por toda a região, e seus ataques terroristas já mataram em praticamente todos os continentes.
John Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, declarou em 30 de abril de 2019,sobre a Venezuela: "Isto claramente não é um golpe". (Foto: flickr.com/gageskidmore) |
Na Ucrânia, vizinha da Rússia, um governo amigável a Rússia foi derrubado num misto de golpe de estado com marchas e revoltas populares. O então Senador dos EUA John McCain se reuniu com os líderes da oposição, que incluía uma organização abertamente neonazista. A Assistente do Secretário de Estado, Victoria Nuland, foi gravada nomeando o futuro governo ucraniano. Depois disso, a Ucrânia mergulhou numa guerra na região de Donbass que gerou milhões de refugiados e mais de 10 mil mortos.
Na Venezuela, em 25 de janeiro deste ano, o presidente da Assembléia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente do país, após um telefonema a Mike Pence, Vice-Presidente dos EUA. Eles não perderam a "oportunidade de ouro" nem por um minuto. Convocaram Eliott Abrams, um velho conhecido de operações anti-comunistas (leia-se de sabotagem, tortura e extermínio) na América Central, para ser o "enviado especial" dos EUA a Venezuela. Isso gerou uma grande turbulência no país com as maiores reservas de petróleo da Terra e dividiu o mundo entre apoiadores de Guaidó, apoiadores de Maduro e alguns poucos "neutros". Hoje a situação se agravou, com Guaidó declarando que os militares estão ao seu lado e não mais ao lado de Maduro. Uma enxurrada de notícias, boatos, imagens e opiniões inundou a mídia. Mike Pence voltou a aparecer, tuitando em apoio a Guaidó. Bolsonaro deu um cheque em branco de R$224 milhões para o Ministério da Defesa "acolher venezuelanos", e por aí vai.
Mas o que acontece se, de fato, o governo Maduro cai? Será que os apoiadores de Maduro, que estão ao lado do governo há 20 anos, vão simplesmente aceitar? O que um governo Guaidó faria com eles? Aceitaria protestos nas ruas ou reprimiria? E os poderosos traficantes locais? Será que eles vão se sentir mais ou menos poderosos na ausência de um governo central? Será que a violência no país vai aumentar ou diminuir? E a economia, vai estabilizar rapidamente? São todas situações que os iraquianos, líbios e ucranianos vivenciaram, e os venezuelanos vão vivenciar. Não um bando de cheerleaders mal informados, bradando "viva o povo, viva a democracia, viva os EUA" a milhares de quilômetros de distância.
Excelente reflexão. Parabéns!
ResponderExcluirMaduro foi ekeito de forma duvidosa, através de urnas eletrónicas e com a maquina di estado usada a seu favor. Não foi uma eleição transparente. Do mesmo modo que os outros ditadores citados, Maduro também quer se perpetuar no poder.O que é anti-democratico.alem de ser um pessimo governante que afunda país levando-o aao estado de miserabilidade.
ResponderExcluirSim, mas quem garante que vai ficar melhor depois que ele cair? O movimento do Juan Guaidó é patrocinado, de muito perto, pelos EUA. Quando eles fizeram esse tipo de intervenção em outras ocasiões o resultado foi catastrófico, mesmo quando não precisaram colocar tropas em combate direto.
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