Trégua na Síria
O “cessar de
hostilidades” aprovado pelo conselho de segurança da ONU na
sexta-feira, 26 de fevereiro, parece ter surtido algum efeito. Mas
quem, realmente, está ganhando com esse cessar- fogo? Será que esse
cessar-fogo não tem mais de uma face?
Por um lado, o
acordo traz a possibilidade de algum alívio para os cidadãos sírios
pegos no fogo cruzado de uma guerra indireta entre Síria, Irã e
Rússia contra Arábia Saudita, Turquia, EUA e outros. Mas por outro,
serve como um breque para um conflito que agora está tendendo para
uma vitória do Exército Sírio. Com o apoio da força militar russa
– aviões modernos, mísseis de longo alcance e capacidade de
observação por satélites – o governo de Bashar Al Assad foi
capaz de se recolocar na ofensiva contra os grupos que querem
derrubá-lo. E os grupos que querem derrubá-lo são apoiados pelos
países que mencionei acima.
Diversos
representantes do governo dos EUA, de uma forma ou outra, alertaram
que a Arábia Saudita é a principal financiadora do terrorismo
global, entre eles Bob Graham, o líder da investigação sobre os
ataques de 11 de setembro de 2001, e Stuart Levey, subsecretário do
Tesouro Para Inteligência Financeira e de Terrorismo. O
ex-embaixador dos EUA na Turquia, Francis Riccardone, disse ementrevista ao jornal britânico The Telegraph que o governo turco
cooperou com a organização terrorista Jabhat Al Nusra – uma
descendente direta da Al Qaeda – visando a desestabilização do
governo de Assad, enquanto o governo dos EUA olhava para o outro
lado. Praticamente todos os grupos terroristas que atuam na Síria
foram criados após 2011. As manifestações populares parecem ter
sido apenas uma cortina de fumaça para ocultar a realidade: que
grupos vindos de fora da Síria entraram no país e passaram a atacar
o governo de Assad. E mesmo assim, ainda hoje, os EUA insistem na
narrativa de que há rebeldes “moderados”, que querem apenas mais
democracia na Síria.
Vejam a posição da
representante dos EUA no conselho de segurança, Samantha Power. Na reunião que aprovou o “cessar de hostilidades”, ela foi a
primeira a falar. Com muita seriedade, falou sobre o sofrimento de
mulheres e crianças sírias. Falou que o conflito é um dos mais
brutais em uma geração. Falou da necessidade de compromisso real
das partes com o cessar-fogo… E então passou a criticar os russos
e sírios, e exigir a saída de Bashar Al Assad. Chegou ao ponto de
acusar os russos de bombardearem alvos totalmente civis no subúrbio
de Damasco. O enviado da Síria ao Conselho, Bashar Ja’afari, foi o
último a falar, e prontamente rebateu tal acusação. Na realidade,
tal subúrbio teria elementos da Jabhat al Nusra, e seguiu numa
explicação de como lideranças da Al Qaeda formaram essa nova
organização. Também ressaltou o fato de que Power simplesmente não
mencionou o nome da Al Qaeda. Talvez seja vergonha, já que os EUA
estão há mais de 15 anos lutando contra essa organização e não
conseguiram eliminá-la. Pelo contrário, sua atuação só expandiu
desde 2001.
No fundo, parece que
a decisão dos EUA de apoiar os mujahidin (jihadistas) lá na década
de 80, no Afeganistão, contra um governo comunista que estava se
instaurando no país, simplesmente se tornou uma peça fundamental da
sua política externa. Apoiar o extremismo islâmico, quando
conveniente, passou a fazer parte do arsenal de medidas para estender
o controle do império “excepcional” sobre o mundo. E assim
chegam nessa posição esquizofrênica de, por um lado, estabelecer
sistemas de vigilância orwellianos que passam por cima de direitos
constitucionais, bombardear, torturar e matar em nome do
antiterrorismo, e por outro, apoiar, direta ou indiretamente,
inúmeros grupos terroristas!
Link do original: http://www.horadopovo.com.br/2016/03Mar/3421-09-03-2016/P7/pag7d.htm
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