29/10/2018

11 pontos sobre o futuro governo Bolsonaro

Este não é um texto de grandes previsões, está concentrado nos movimentos iniciais do governo e principalmente na relação do governo com a mídia e o público.

Ponto 1: Bolsonaro teve uma votação expressiva, de 57 milhões de votos, e tem uma vasta rede de apoiadores. Apesar das denúncias de utilização de "spam", ainda não provadas, ele possui uma verdadeira mídia alternativa concentrada em sua própria figura. Bolsonaro, do seu celular, em conjunto com seus seguidores mais famosos e seus correligionários, consegue falar diretamente com milhões de apoiadores em questão de minutos. O único jeito de saber o que ele está falando é também segui-lo, ler os tuítes e assistir as lives. Isso estabelece uma ponte de diálogo com seus eleitores; ao invés de citar uma manchete da "manipulada" grande mídia, é possível analisar diretamente o que ele diz. Ou seja, um ponto forte da comunicação dele também abre a possibilidade de criticá-lo se baseando em suas próprias palavras.

Donald Trump na primeira coletiva após sua eleição. Foto: reprodução.

Ponto 2: Ele vem há bastante tempo se espelhando em Donald Trump. Por enquanto, isso ocorreu na campanha, mas deve continuar durante a presidência. Isso significa que podemos esperar que anúncios importantes de rumos do governo, nomeações e comentários sobre crises e eventos serão feitos via redes sociais.

Ponto 3: A grande mídia já está um pouco perdida. Assim como na esteira da eleição de Trump, estão clamando por um Bolsonaro com "modos de Presidente". Isso não deve acontecer. Ele não vai mudar de postura nem de discurso. É essa postura e esse discurso que o elegeu. Mudar seria trair toda a sua base de eleitores.

Ponto 4: Qualquer mínimo aceno de que ele ficou mais ameno, qualquer declaração mais pomposa que destoe do Bolsonaro que estamos acostumados vai ser "comemorada" como um "ponto de inflexão". Isso é uma ilusão. Com o Trump ainda tem gente esperando essa mudança, quase dois anos depois da eleição.

Bolsonaro falando em uma Live no Facebook para o ato na Paulista, 21/10/2018. Foto: reprodução.


Ponto 5: Ele vai tentar, a todo momento, desacreditar a grande mídia. Ele não vai seguir os ritos esperados. Por outro lado, nenhum presidente pode ficar sem comunicação em massa. Então, assim como Trump escolheu a Fox News para dar as caras para o público, Bolsonaro provavelmente escolherá a Rede Record. Além da entrevista durante o debate no primeiro turno, ele deu a primeira entrevista como presidente para esse canal, algo que tradicionalmente era feito pela Rede Globo. É pra ficar de olho neles e no portal R7. No rádio, a rede Jovem Pan foi a mais simpática a sua candidatura.


Ponto 6: Nessa mesma linha, ele deve valorizar algumas plataformas e personalidades online, como o portal Terça Livre, que foi recebido para uma entrevista exclusiva a poucos dias da eleição, ou O Antagonista, que tem entre seus jornalistas o Felipe Moura, que já foi retuitado várias vezes por Bolsonaro, entre outros. Os próprios congressistas eleitos pelo PSL tem um perfil ativo nas redes e podem ser usados para externar ideias do governo. Aí entram Alexandre Frota, Joice Hasselmann, seus filhos Carlos, Eduardo e Flávio e tantos outros.

Ponto 7: Ao mesmo tempo, não é de se esperar uma gestão transparente. Ele é o candidato que desde o início da eleição não queria fazer debates e que após sofrer o atentado, proibiu seus assessores de falar com o público. Ultimamente, só fala com jornalistas amigáveis.

Ponto 8: Nem tudo no seu governo vai ser ruim ou um desastre. Mas a grande mídia, por ressentimento ou ideologia, tentará esconder qualquer avanço durante o governo Bolsonaro. Pode ter índices que melhorem, como por exemplo a taxa de desemprego. Se concentrar apenas no ruim pode aumentar a divisão e a polarização e fechar portas para o diálogo com seus eleitores.

Ponto 9: Já houve vários casos de apoiadores de Bolsonaro ameaçando ou até agredindo pessoas que eram contra o então candidato. Desde o início Bolsonaro disse que não tinha "controle" sobre quem "usava uma camiseta sua e cometia um crime". Há indícios de casos forjados, mas é bom ficar de olho. Se vir algo, registre.

Ponto 10: O gabinete do governo provavelmente vai trazer figuras do setor privado para os ministérios, secretarias e estatais. Os tais "técnicos" devem ser pessoas relativamente desconhecidas, já que não são quadros políticos. Porém, podem ter grandes conflitos de interesse com seus próprios negócios. Um exemplo é Stavros Xanthopoylos, consultor do ramo da educação a distância cotado para o Ministério da Educação. Outro é o próprio Paulo Guedes, cotado para a Fazenda, cujo banco BTG Pactual está envolvido no esquema ilegal de securitização da dívida pública.

Ponto 11: O governo Temer não conseguiu passar a reforma da Previdência, por exemplo, por conta da baixíssima popularidade, escândalos de corrupção e de um Congresso engessado. O partido de Bolsonaro foi o mais fiel ao governo Temer e já sinalizaram que parte da equipe do Temer vai continuar. O novo governo, por causa do respaldo popular nas urnas, da boa bancada no Congresso e da aparente disposição pra botar a polícia na rua pra reprimir manifestantes, virá como um trator para passar medidas duras e impopulares, numa continuação do pós-impeachment.

10/10/2018

Ataques, ameaças, justiceiros e mílicias: Ligando os pontos do Bolsonarismo

Menos de 24 horas após o encerramento do 1º turno das eleições de 2018, na madrugada de segunda-feira, dia 8, o mestre de capoeira conhecido como Moa do Katendê foi assassinado a facadas num bar em Salvador, na Bahia. O criminoso, um barbeiro de 36 anos, havia ingerido bebidas alcoólicas desde a manhã de domingo e chegou ao bar às 23h, segundo a polícia. Ele confessou que o motivo do crime foi político. Ele e Moa discutiram por causa da eleição. Ele apoiava o candidato Jair Bolsonaro (PSL) e Moa, Fernando Haddad (PT).

Esse não é o primeiro e está longe de ser o último caso de violência associada aos seguidores do candidato do PSL. Os casos se acumulam. Antes da eleição, eles resolveram atacar, nas redes, a jornalista que escreveu uma matéria crítica a ele. Porém, acabaram atacando outra jornalista, com o mesmo nome, que teve seus dados pessoais divulgados na Internet e sofreu diversas ameaças. No sábado antes da eleição, Julyanna Barbosa, mulher trans, ex-vocalista do grupo Furacão 2000, foi atacada com uma barra de ferro nas ruas do Rio de Janeiro. Os agressores disseram, antes de atacá-la, que "Bolsonaro vai ganhar pra acabar com os veados. Essa gente lixo tem que morrer". No domingo, um jornalista que usava uma camiseta com a imagem do ex-Presidente Lula foi atropelado por um motorista que depois ameaçou atirar, pois tinha uma arma. No perfil do motorista no Facebook, diversas postagens de ódio ao Partido dos Trabalhadores.

Ameaça que eu recebi no Facebook. Preciso dizer que candidato ele defendia?
Numa carreata pró-Bolsonaro na cidade de Muniz Ferreira, interior da Bahia, um cachorro foi morto a tiros por um dos manifestantes. Segundo a família, quando o cachorro, chamado de Marley, começou a latir para a carreata, o homem desceu do carro e disparou no pé do cachorro. Marley correu e o homem disparou mais duas vezes e o matou. Na segunda, uma jovem foi abordada por três homens e teve uma suástica cravada na barriga com um canivete por estar usando uma camiseta com os dizeres #EleNão. Segundo o delegado, porém, os agressores desenharam um "símbolo budista". No mesmo dia, Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em março deste ano, sofreu agressões verbais por homens usando a camiseta do candidato. Ela carregava sua filha de dois anos no colo. Ontem, terça-feira, um funcionário da UFPR foi agredido aos gritos de "aqui é Bolsonaro!" por um grupo de torcedores do Curitiba. Ele usava um boné do MST. Além disso, em duas ocasiões, torcedores de futebol foram gravados gritando "o Bolsonaro vai matar veado". Pelo WhatsApp e Facebook, as denúncias desses ataques estão se multiplicando.


Os ataques, infelizmente, não surpreendem. O candidato do PSL tem postura agressiva e seus apoiadores o imitam. Bolsonaro, por exemplo, deixou sua posição em relação aos homossexuais bem clara ao longo dos anos. Ele já declarou que "agora, homossexual, ninguém gosta, a gente suporta", que se um filho "começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um coro e muda de comportamento", que "não gostaria de ter um filho homossexual" e que "prefiro que meu filho morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí". Além disso já disse que "as minorias tem que se calar, se curvar a maioria, acabou". Em outubro, em um ato de campanha em Rio Branco, Acre, berrou em cima de um caminhão de som, segurando um tripé de câmera como se fosse uma arma, que "vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre". E foi ovacionado.

Cena do comício em Rio Branco. (Foto: reprodução).



Mesmo depois de uma enxurrada de críticas, disse que não pode se "violentar e virar o 'Jairzinho paz e amor'". Questionado por um repórter sobre como ele via esses atos de violência "em nome ou em apoio ao senhor", Bolsonaro entrou na defensiva, e primeiro disse que a vítima foi ele, que ele que levou a facada. Depois, disse que "um cara lá que tem uma camisa minha comete um excesso, que que eu tenho a ver com isso?". Continuou: "eu lamento, peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam". Terminou a resposta dizendo que "a violência vem do outro lado, a intolerância vem do outro lado" e minimizou a onda de violência falando que "tá feia a disputa, mas são casos isolados que a gente lamenta e espera que não ocorra".



A grande proposta de segurança pública do candidato é o armamento da população. Segundo ele, "o cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país". Essa sua mentalidade que insinua a "justiça com as próprias mãos", na minha opinião, é exatamente o que está dando combustível para esses ataques. Cada um deve se defender contra aquilo que parece o ameaçar. Não importa se é uma pessoa LGBT, um "esquerdista" ou um animal. O desprezo do candidato pelos direitos humanos é outro fator. Afinal, já que não há direitos humanos universais, caberia a cada um decidir quais humanos possuem direitos e quais não possuem.

Por fim, na mesma linha de pensamento de que há espaço para a justiça com as próprias mãos, o candidato, na rádio Jovem Pan, uma vez declarou que "naquela região onde a milícia é paga, não tem violência" e defendeu as milícias em outras ocasiões. Seu filho, em 2007, falava até na legalização das milícias. O candidato voltou atrás depois, mas sem condenar as milícias como um todo - para ele, elas "acabaram se desvirtuando". Ele também foi o único candidato a presidência que não deu declarações imediatamente após o assassinato de Marielle Franco, uma parlamentar do PSOL com atuação incisiva na área de direitos humanos e que participou da CPI das Milícias. Preferiu se calar "para não politizar o assunto", porém seus filhos não tiveram problemas em fazê-lo. Os principais suspeitos do crime são milicianos.

Se ainda como candidato, já há grupos de apoiadores que se sentem a vontade para intimidar, ameaçar e agredir pessoas nas ruas, o que acontecerá se ele for eleito? Vamos lembrar, aqui neste artigo mostrei que o ódio dos apoiadores pode se dirigir a uma pessoa LGBT, a um simpatizante do PT, a uma mulher com sua filha e até a um cachorro. Não tem muito critério. Será que veremos grupos de mascarados - ou até sem máscaras - andando nas ruas com as camisetas do candidato, espancando até quem "olhar torto" pra eles?
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