08/04/2018

O fantasma das armas químicas na Síria

Hoje, a organização "rebelde" Jaish al-Islam acusou o governo de Bashar al-Assad de atacar a região de Douma, no entorno da capital da Síria, Damasco, utilizando armas químicas. Algumas ONGs, que desde o início do conflito na Síria acusam o governo sírio dos mais diversos crimes, ecoaram a acusação desse agrupamento rebelde radical, que recebeu fundos da Arábia Saudita. O Presidente Trump tuitou sobre o ataque, dizendo:
"Muitos mortos, incluindo mulheres e crianças, em ataques químicos estúpidos na Síria. Área de atrocidade está em confinamento e cercada pelo exército Sírio, tornando-a completamente inacessível para o mundo exterior. O Presidente Putin, Rússia e Irã são responsáveis por apoiar o animal Assad. Grande preço a pagar. Abram a área imediatamente para assistência médica e verificação. Outro desastre humanitário sem qualquer razão. Doente! Se o Presidente Obama tivesse cruzado a sua dita linha vermelha na areia, o desastre sírio teria terminado há muito tempo! O animal Assad teria sido história!"
O Departamento de Estado denunciou o ataque e uma reunião de emergência foi convocada pela ONU. Especialistas já estão utilizando o suposto ataque para culpar Assad. Fotos de crianças que a ONG "Capacetes Brancos" (White Helmets) disseminou, alegando que são vítimas do ataque do exército sírio, estamparam a primeira página do site do New York Times, da CNN e da BBC.

Capas dos sites da CNN, New York Times, BBC e BBC Brasil no dia 08/04/2018. Fonte: reprodução.
O ataque faz sentido?

Em 2013, o suposto uso de armas químicas foi o gatilho para que o então Presidente Obama ameaçasse uma ação militar ainda mais robusta na Síria.  Após deliberações privadas, o plano foi descartado. Ao invés da ação militar, chegou-se um acordo com o governo de Assad, que destruiu todo o seu estoque de armas químicas, assim como sua capacidade de produção delas. Porém, em abril de 2017, o presidente Trump decidiu lançar 59 mísseis Tomahawk contra a Síria, em resposta a um suposto ataque de armas químicas pelo exército sírio. Quase um ano depois, o Secretário de Defesa James Mattis admitiu que não havia provas que o governo sírio foi responsável pelo ataque.

Depois disso, como eu apontei no final do ano passado, Trump encerrou um programa bilionário da CIA para armar "rebeldes" na Síria e, por coincidência, o Estado Islâmico passou a perder espaço, território e poder. Isso abriu uma nova etapa no conflito da Síria. A coalizão do governo com a Rússia e o Irã passou a sistematicamente derrubar o Estado Islâmico nos vários locais que a organização jihadista dominava. Um dos últimos locais de resistência é o entorno da capital, Damasco, na região de Ghouta Oriental. Ou seja, o combate terreno está nos capítulos finais.

Mas além do programa clandestino da CIA, os EUA tem tropas das Forças Armadas na Síria para combater o Estado Islâmico. Em Al Tanf, estabeleceram uma base militar. O candidato Trump prometeu parar de "construir nações" no estrangeiro durante sua campanha e num discurso semana passada, declarou que "quer sair" da Síria. Isso gerou uma reação entre os assessores e líderes militares, que são contra a retirada.

Recapitulando

Portanto, temos estes fatos:

1. Os EUA dizem que ataques com armas químicas são intoleráveis.

2. O governo sírio destrói as armas químicas.

3. Trump tira a CIA do conflito.

4. O exército sírio declara vitória em várias cidades.

5. Trump anuncia que vai retirar as Forças Armadas do conflito também.

6. Então, o governo sírio resolve fazer a provocação suprema - um ataque com armas químicas - no último enclave dos rebeldes!

Isso não faz sentido. Só dá pra acusar o governo sírio de ser o autor desses ataques, se acreditarmos que eles são loucos. E é exatamente essa a imagem que querem passar da liderança da Síria, da Rússia e do Irã - são todos loucos, não é possível prever o que eles vão fazer e eles podem agir irracionalmente a qualquer momento. Porém loucos são pessoas que às vezes ficam internadas, às vezes não conseguem cuidar das próprias vidas, precisam de ajuda e acompanhamento - o que não condiz com o perfil de um líder responsável por milhões de vidas.

Loucos? Em sentido horário: Bashar al-Assad (Síria), Vladimir Putin (Rússia) e Hassan Rohani (Irã). Fonte: Wikimedia Commons.
Essa ação irracional, porém, faria muito sentido para os próprios rebeldes que querem derrubar o governo de Assad. A opinião pública mundial, vendo as fotos das crianças sofrendo, pode achar que um ataque dos EUA ou da OTAN é justificado, o que enfraqueceria o exército sírio e fortaleceria os rebeldes. Trump podria decidir voltar a financiar os grupos através da CIA, o que traria recursos e armas - e por aí vai. Isso é minha teoria da conspiração? Não. Mês passado, o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que rebeldes iriam fazer um ataque com armas químicas e que iriam culpar o governo de Assad. Será que ele acertou?

02/04/2018

DEA, CIA e cartéis associados

(Este texto também foi publicado no jornal Hora do Povo).

A agência federal de combate às drogas dos EUA, a Drug Enforcement Agency, é uma piada. É como se você criasse uma agência pra acabar com os supermercados do país. Aí fecha O Dia, Supermercado Barbosa, Supermercado Violeta, mercadinho do bairro... E deixa Wal-Mart, Extra e Carrefour abertos.

Agentes da DEA treinando para enxugar gelo. Foto: Wikimedia Commons.
Não é culpa de seus agentes. É que quando eles chegam próximos dos barões das drogas, a CIA entra em cena e mela a operação. Se prendem algum, é porque foi feito algum acordo. Estamos vendo isso com "El Chapo", o maior traficante do México, que está preso, mas não foi acusado de vários crimes que cometeu (ou seja, houve um acordo).

Selo da CIA, também conhecida como "Cocaine Importing Agency" (Agência de Importação de Cocaína).
Foto: Wikimedia commons. 
Há vários anos atrás, fizeram o mesmo com Danilo Blandón, da Nicarágua. Quando a DEA ia prender o mega-traficante em flagrante, alguém sempre o avisava - suspeita-se que era a CIA, já que Blandón estava ajudando a financiar o exército dos "Contras" na guerra secreta da CIA na Nicarágua. Eventualmente transformaram Blandón em informante e ele ganhou várias proteções[1].

Outra mega-traficante protegida pela CIA foi Sonia Atala, uma boliviana. O ex-agente da DEA Michael Levine conta em detalhes como conseguiu ficar próximo dela e descobriu que ela estava negociando toneladas de cocaína para o Ministro do Interior da Bolívia Luis Arce Gomez. Ele estava próximo de atrair para dentro dos EUA o "Ministro da Cocaína", como Gomez era conhecido, porém sua operação foi sabotada[2]. A CIA fez parte da conspiração pelo golpe de 1980 na Bolívia, que ficou conhecido como o Golpe da Cocaína. Toda a alta cúpula militar estava envolvida no negócio e todos eram considerados "associados" da CIA. Sonia atualmente tem uma nova identidade e está no programa de proteção a testemunhas, mas segundo Levine ela continua traficando[3].

Notas:

[1] Webb, Gary (1999). Dark Alliance: the CIA, the Contras and the Crack Cocaine Explosion, cap. 18.
[2] Levine, Michael (1993). A Grande Mentira Branca, p. 539, p. 579-580.
[3] Ibid., p. 639.
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