31/10/2015

Tony Blair "pede desculpas" pelos erros na invasão do Iraque

Leitores, dá pra acreditar nisso?

Vejam só esse segmento da CNN:

http://edition.cnn.com/2015/10/25/europe/tony-blair-iraq-war/

Nele, Fareed Zakaria entrevista Tony Blair e eles tem o seguinte diálogo:
Fareed Zakaria: "Dado, no entanto, que Saddam Hussein não possuía armas de destruição em massa, a decisão de entrar no Iraque e derrubar seu regime foi um erro?"

Tony Blair: "Posso dizer que peço desculpas pelo fato de que a inteligência que recebemos estava errada porque, apesar dele ter utilizado armas químicas extensivamente contra sua própria população e contra outras, o programa da forma que achávamos que era não existia da forma que pensávamos (...) e certamente, nosso erro no entendimento do que aconteceria se removêssemos o regime."
E é isso. Doze anos depois, e em duas frases confusas, Blair tenta se redimir. O entrevistador vira seu cúmplice: simplesmente não pressiona Blair nessa questão. É claro, se pressionasse, não conseguiria mais entrevistas com o alto escalão.

A resposta é genérica pois ele admitiu que a inteligência era errada, porém não se aprofundou no porquê. Os acontecimentos que cercaram o casus belli, a razão para a guerra do Iraque, já são conhecidos. Na primeira reunião do National Security Council da administração Bush, em 30 de janeiro de 2001, o assunto já era o Iraque (link e link, e em mais detalhes no livro The Price of Loyalty, de Ron Suskind). Horas depois do ataque do 11 de setembro de 2001, Rumsfeld ordenou que seus subordinados obtivessem informações relacionando Saddam ao ataque, com o objetivo de atacar o Iraque na esteira dos atentados (link). Rumsfeld abriu um escritório, chamado "Office of Special Plans" (Escritório de Planos Especiais), cuja função era encontrar informações para substanciar uma intervenção militar no Iraque. É desse escritório que saíram as mentiras sobre armas de destruição em massa e sobre as conexões do governo do Iraque com a al-Qaeda.

Especificamente sobre as armas de destruição em massa, uma das mais espetaculares mentiras era de que a qualquer momento, o Iraque poderia executar um ataque nuclear nos EUA. Essa afirmação - irrefutável, segundo a Casa Branca - era uma especulação, por parte de um pequeno grupo de analistas, de que certos "tubos de alumínio" adquiridos pelo Iraque serviriam para um centrífuga de enriquecimento de urânio. Diversos especialistas duvidaram disso, já que os tubos simplesmente não eram do tipo utilizado em centrífugas. Toda a história é muito bem contada no filme Jogo de Poder, de 2010. Por que não perguntar a Blair diretamente sobre isso? Como ele pode ter acreditado nesse pequeno grupo? Será que isso faria Blair gaguejar um pouco? Na verdade, o entrevistador podia ter perguntado sobre cada uma das afirmações mentirosas feitas no caminho para a guerra do Iraque, feitas pela adminsitração Bush e ecoadas pelos seus parceiros da OTAN... Mas aí a entrevista precisaria de vários dias, já que são 935 dessas afirmações, segundo o autor Charles Lewis.

Obrigado ao zerohedge pela dica do link.

26/10/2015

Atualização da Síria - 26/10/2015

Olá. Como ressaltei na coluna há uns dias atrás, a situação na Síria está evoluindo rapidamente. A "nova" Guerra Fria se transformou numa guerra de características novas. Apenas em raras ocasiões os caças russos e estadunidenses estiveram no mesmo campo de batalha, e desta vez, a disputa é indireta.

Primeiro, algo que eu não tinha notado. O governo do Iraque está sinalizando que quer a ajuda da Rússia para combater o ISIS dentro do seu território. Isso deve estar dando algumas noites em claro para alguns planejadores do Pentágono. Além disso, hoje o Wall Street Journal noticiou que o governo afegão irá comprar helicópteros, armas e munição dos russos. Ambos os eventos sinalizam que a intervenção da Rússia vem repercutindo positivamente nos vizinhos da Síria.

Segundo, e do outro lado, o Secretário de Estado John Kerry se encontrou com o mais alto escalão da monarquia Saudita: Salman bin Abdulaziz Al Saud, o rei; Muhammad bin Nayef, o príncipe; Mohammad bin Salman Al Saud, o vice-princípe; e Adel al-Jubeir, o ministro de relações exteriores. Num curtíssimo pronunciamento, o Departamento de Estado afirmou que ambos "prometeram continuar e intensificar o apoio a oposição moderada na Síria enquanto a via política também está sendo trilhada". A hipocrisia é realmente incrível, como notou o zerohedge: ao mesmo tempo que armam grupos dentro da Síria, podem dizer ao público que estão buscando uma solução política.

Terceiro, algo que eu me esqueci de mencionar até agora. A Rússia continua tentando obter, dos EUA e da União Européia, informações sobre a "oposição moderada" que eles apoiam. Ambos se recusam a cooperar. Ou seja, reclamam que os russos estão atacando posições dos rebeldes que eles financiam, mas se recusam a revelar onde estão tais rebeldes, para que a Rússia não ataque.

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Há duas outras características do conflito que valem a pena notar.

De um lado, os EUA sempre obscurecem suas operações, não revelando praticamente nada sobre cada ataque. Há bombardeios em cidades, em "complexos terroristas" e outras referências vagas, mas nada muito concreto. Isso é tão rotineiro que os EUA foram capazes de dizer, inicialmente, que não tinham detalhes do ataque ao hospital em Kunduz. Isto é, os EUA criaram tamanha blindagem contra os olhos inquisidores da imprensa e do público, que virou procedimento padrão negar, negar, negar. A Rússia está fazendo um esforço para se diferenciar nesse aspecto. Comunica regularmente quais ataques foram feitos, com detalhes, e muitas vezes com vídeos e imagens.

Por último, a entrada da Rússia também representa a entrada de um sistema de satélites que se assemelha ao sistema dos EUA. Ou seja, o tipo de informação que a Rússia é capaz de obter de elementos do campo de batalha é muito melhor que o do Exército Sírio. Imagino que essa seja uma das razões para a aparentemente eficiente campanha que os russos estão fazendo.

23/10/2015

Coluna do jornal Hora do Povo, 23/10/2015

Olá, leitores!

Estou - finalmente - conectando o blog à coluna. Me desculpem pela demora.

As colunas anteriores podem ser encontradas em:

  1. "Tropas americanas no Mar Báltico" (17/06/2015)
  2. "Espionagem na França" (01/07/2015)
  3. "CIA usa apoio de psicólogos em sessões de tortura" (15/07/2015)
  4. "Filmadoras e Armas" (31/07/2015)
  5. "A Guerra 'Fria'" (14/08/2015)
  6. "OTAN versus Rússia" (28/08/2015)
  7. "11 de Setembro" (11/09/2015)
  8. "DDHH, ONU, e Arábia Saudita" (25/09/2015)
  9. "Russos na Síria" (09/10/2015)
  10. "Ainda sobre a Síria" (23/10/2015)
Esta última (link) segue em versão hypertext abaixo:

Ainda sobre a Síria

Há um burburinho agora, sorrateiro, dizendo – após 20 dias – que a intervenção russa na Síria foi um enorme fracasso. Que Putin está cavando a própria cova, que ele só entrou no conflito abertamente pois os EUA deixaram um “vácuo”, e que no fundo, no fundo, seu objetivo é apenas fortalecer sua influência com os extremistas e ditadores Xiitas inimigos do Ocidente: A Síria “de Assad”, o Irã e, para não ter dúvidas de quem estamos falando, o Hezbollah.
Não caiam nessa, amigos. É o chamado “spin”, o jeito de dar a notícia que consegue impor um certo ponto de vista. E não é um spin qualquer. Segundo a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, podemos comparar a postura da mídia Ocidental com relação a intervenção russa com a de um “batalhão armado ofensivo”. É quase impossível não perceber as curiosas e cuidadosas escolhas de palavras por parte dos jornalistas.
Além disso, este é um assunto complexo; ou seja, é precipitado tirar conclusões após 20 dias de intervenção militar. A essa altura, apenas acompanhar os acontecimentos é uma atividade custosa. Hoje mesmo, enquanto fecho esta coluna, foi confirmado que Bashar al-Assad foi à Rússia encontrar Putin, em sua primeira viagem oficial ao exterior desde 2011.
Dito isso, devo dizer que em relação a coluna anterior, encontrei mais confirmações que de fato, a Rússia vem atacando posições de todo tipo de terroristas, incluindo os “moderados” financiados pela CIA e pelo Pentágono. Especulo que esse é um dos seus objetivos estratégicos. Ao atacar posições clandestinas dos EUA na Síria, os russos reforçam a aliança com Assad, e ao mesmo tempo podem observar a reação consternada dos EUA, que não pode sequer admitir a existência de tais operações clandestinas.

Os Drone Papers

Na semana passada, uma nova leva de documentos foi revelada pelo blogTheIntercept.com. Essa nova leva de documentos lida diretamente com um dos mais secretos programas dos EUA: assassinato via drone. O autor do vazamento ainda é desconhecido. (Nota: Um link prático para os documentos pode ser encontrado no Cryptome, é um dos links do dia 15 de outubro).
Os documentos, por si só, são fascinantes. Dá toda a impressão que esse era exatamente o tipo de documento que apenas os olhos do mais alto escalão dos EUA podiam ver. Eles dão uma visão do que foram a Força Tarefa (Task Force) 48-4 e a Operação Haymaker. Uma das revelações é que, no caso da Operação Haymaker, no nordeste do Afeganistão, em 56 ataques, foram 219 “inimigos mortos” (Enemy Killed in Action, EKIA no documento) para 35 “prêmios” (jackpot, JP no documento). Os prêmios, é claro, são os alvos. Em média, para cada alvo morto, 6 outras pessoas morreram, simplesmente por estarem perto dele. Também fica óbvio que alguns ataques erraram totalmente o alvo.
A cobertura do The Intercept é bastante abrangente, sendo oito matérias, cada uma focando em um aspecto do programa e de seus problemas. É de ficar tonto. Entre os outros aspectos estão: o especulativo processo de “adivinhar” se o indivíduo em questão foi morto ou não; o especulativo processo de determinar quemrealmente morreu; a grande burocracia envolvida nos ataques; os depoimentos de diversos oficiais denunciando as falhas do programa; adifícil relação com os governos do Iêmen e da Somália; e a expansão militar dos EUA na África (de onde a Força Tarefa está baseada).
O crucial, no entanto, está no primeiro artigo. Intitulado “O Complexo do Assassinato”, ele inicia assim: “Drones são uma ferramenta, não uma política. A política é assassinato”.
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